Respeite o tempo. Possivelmente eu mudei de opinião.

domingo, março 23, 2014

A COINCIDÊNCIA

Ele é solitário e furioso. Sorri quando ninguém espera, mas o sorriso é tão sombrio que mais parece uma prece. Não fala entrelinhas e não se sente incomodado em parecer assustador. Gosta de dominar. O poder o fascina e, não me perguntem o motivo, mas eu desejo salvá-lo das dores que ele mesmo provoca. Porque, tenho para mim, que o amor é a única coincidência entre os seres humanos.


Chegou derrubando armários e mesas, disse que desejava algo e queria logo, não perguntou o meu nome e nem disse que era mais velho. A idade do corpo fosse o único problema da mente. E, mesmo assim, era forte o bastante para não se deixar ser fraco. No fundo, queria companhia, mas ao pensar no risco de perdê-la, preferia ser só. Ele era lindo.
Eu só poderia me sentir viva ao seu lado. Me digam quantas pessoas no mundo podem lhe fazer se sentir vivo e eu lhe direi quantas pessoas você pode amar. O amor tem dessas coisas: a gente tá quietinho, ele vai lá e acende uma vela. É uma música que toca no fundo da alma e que tem o poder de nos fazer dançar. Nos movimenta, nos traz coragem, e nos faz gritar.
Eu gritei o nome dele durante meses. E, todas as vezes, gritei pedindo que fosse embora. Às vezes, sem motivo, desejamos ficar longe das pessoas que queremos perto. Porém eu tivera motivo: ele não era meu. E não poderia ser. O coração daquele homem era quieto, silencioso, distante do meu mundo. Não sei se pertencia a outra, mas sei que não batia, não tinha pulsação, era tão morto quanto um móvel. Frio. Ele não existia.
Eu queria salvá-lo. Queria dar vida. Mas ele era tão teimoso! Insistia em percorrer um caminho que lhe causava dor. Todos os dias, quando acordara, ele levantara da cama pronunciando sete maneiras de melhorar a vida. Sete maneiras impossíveis. A tortura de quem é louco é se convencer que pode dar certo todas as fantasias que ele cria. As sete maneiras eram tão peculiares que cheiravam sangue. Deus, Deus do céu!, eu amara um assassino.
Há mulheres que não se preocupam com a marca do carro, o preço da roupa, os lugares que vão jantar, quem vai pagar a conta ou com a aparência. Essas mulheres só querem atenção. Elas se encantam com a maneira como vira música o nome delas ao serem pronunciados por teus lábios. Elas se surpreendem com como o seu olhar parece enxergar a alma delas, e como és inteligente e divertido. Elas são adultas e querem companhia.
Mas ninguém quer companhia barata. A gente quer lutar por algo que nos traz satisfação. E, aaahhh!, como era satisfatório vê-lo chegar todo final de tarde, pendurar o paletó, afrouxar a gravata e sorrir torto como quem espera uma travessura. Era bom. Fácil. Era inexplicavelmente tranquilo tê-lo por perto.
Mas não era tranquilo enxergá-lo como ele era de verdade. Deixando todo o encanto de lado, ele era perturbador. Lunático. Paranoico. E narcisista. Ele era louco. E homens loucos são diferentes de mulheres loucas. Dos homens nós sempre esperamos lucidez, pés nos chãos, genialidade mas ceticismo. Das mulheres é que nós queremos e aceitamos loucuras, esperança, desequilíbrio, dramas e sentimentalismo. Quando um homem age por puro sentimento, a sociedade o olha como derrota, e não como um bom homem.
Talvez fosse esse o seu problema. Ele era uma derrota. E poucas pessoas no mundo sabem conviver com a ideia de que, para os outros, elas são um erro. Foi aí que ele achou um escape: ser ruim. Mostrar que não tem medo de nada, ter poder, ter dinheiro, ter sangue nas veias e cabeça erguida. Ser heroico, mas taxado pelo mal. Ele era o vilão. E eu queria ser a mocinha.
Meu Deus, aquele homem não era meu. E eu o queria. Eu queria salvá-lo. Eu tentei salvá-lo e pensei que fosse conseguir. Eu pensei que, se eu pudesse ir devagarzinho, dizendo como ele deveria viver, eu fosse levá-lo para casa. Mas ninguém pode ensinar outra pessoa a querer viver. A gente vive por nós mesmos.
E, aos poucos, ele foi vivendo por ele. Foi andando com as pernas que ganhou e enxergara com os meus olhos. Ele aprendeu a amar. Não a mim. Aprendeu a amar a vida. A vida é a mulher que ele sempre quis. A vida, meu bem, é a mulher que todos nós devemos amar.
Porque o amor é a única coincidência entre os seres humanos. E só o amor nos salva. É ele que nos traz a vida e é ele que nos ensina a perder. Não acho que hoje ele seja um homem bom, deve continuar sendo a criatura perversa que sempre foi. No entanto, eu pude entender - todas as criaturas desse mundo são capazes de amar. No fundo nós somos parecidos. Enquanto ele lutara para ser ruim, eu lutara para ser boa. E, por ser boa, não pude roubá-lo de seu destino. Mesmo desejando, como uma criança que deseja um brinquedo, eu deixei que ele fosse dela. Da vida.