Respeite o tempo. Possivelmente eu mudei de opinião.

sexta-feira, dezembro 23, 2011

QUE EU MORRA DE AMOR-ES


O céu bonito da pequena cidade estava escondido pelas nuvens negras que as tempestades dessa época trazem. Os gritos das crianças que eram filhas das amigas de minha mãe me deixavam impaciente. Abri a porta do quarto, desci as escadas, evitei a sala de visitas e fui direto a varanda. Sentei no balanço e fiquei trazendo as lembranças do passado. Pensei em músicas, momentos, canções e histórias. E foi sentada na varanda que escutei o barulho do carro do amado e, ali, eu soubera – era só disso que eu precisara. Deixar tudo e ir embora com ele. Esquecer planos, sonhos, família e casa, abandonar essa vida, sair brincando de mágica e cantar amores.
Só era possível viver de uma maneira: com ele. Eu necessitara de sua existência mais do que a minha própria. Eu invadia sua vida e implorava para que ele nunca saísse da minha. Eu o amara, com a força única que só o amor pode nos dar, o amor bonito.
Nós éramos os vidros embaçados, as canções dos Beatles, os suspiros e risadas. Éramos conversas e abraços, olhares e respiração, beijos e sono. Éramos como a água que quebra o aquário quando desrespeitávamos as regras. Éramos como o fogo que queima o papel de carta quando um encostava-se ao corpo do outro. Éramos automáticos, explosão, sem limites, sem conseguir evitar. Éramos o auge da paixão, do toque, dos lençóis bagunçados, do chuveiro ligado, da falta de apetite, da intensidade, telefones desligados, e paz de estarmos juntos. Éramos a vida fazendo de conta que tudo era possível quando ele estava ao meu lado. Não haveria medo, nem desordem. Esqueça os erros de ortografia, o cansaço, os brindes de final de ano... nós éramos a nossa própria salvação.
Separados, éramos como bonecos de neve, sem vida e decorados por fora. Mentíamos felicidade, procurávamos manter-nos de pé em nosso corpo derretendo, escondíamos a falta de vontade com cachecóis no pescoço e tínhamos olhos vazios como botões. Separados, era ele e era eu, sem nós. Era ele brigando com a vida e suas seriedades, era eu sonhando que tudo daria certo e andando sem rumo. Era ele escutando música para se libertar da dor que a solidão traz, era eu desenhando palavras para disfarçar a saudade e o que não se realiza.
Juntos, éramos um dando força ao outro. Um compartilhando pensamentos com outro. Falávamos sobre filmes, músicas, pessoas, tempos de faculdade, doenças e paz mundial. Discutíamos sobre a fé, os prazeres, as diferenças. E concordávamos que, algumas coisas, ninguém poderia entender, decifrar, sentir, – algumas coisas apenas acontecem.
E aconteceu conosco o que acontece com quem precisa de muito balde d’água fria na cabeça. Nós amamos. E há realidade destrutiva maior que o amor? O amor é que nos mostra quais pontes devemos atravessar, quais caminhos seguir, quais destinos fáceis devemos recusar. O amor é a dificuldade divina, o processo em que se deixa um pouco do “eu” para viver um pouco do “você”. É o desafio de obstáculos longos, de feridas abertas, de cicatrizes que se tornam magia risonha. O amor é a brincadeira de roda, pique-esconde, passa anel, morto-vivo e palhaço de circo. É algodão-doce, arroz-doce, pé-de-moleque, maria-mole, sorvete de chocolate com cobertura de morango. Amor é tempos fáceis com intervalos difíceis, é dúvida, é correria, é passar tudo e valer à pena. Amor é o que nos impulsiona à largar o orgulho e segurar nos braços a pessoa que faz nossos corações dizerem: “Seja o meu motivo.”. Amor é toda vez que ele me olha e eu tenho certeza de que a minha vida foi feita para ser filmada por aquele olhar. É lindo. É! Amor é lindo.
O calendário que aponta as datas, o celular que desperta na hora, a falta de preocupação com o mundo. O cabelo sem corte, o lixeiro vazio, cinzas de um cigarro. Amor é a rotina que se completa e que não enjoa. Que se repete e parece novo. É eu e ele. Amor é eu e ele. Somos nós.
É quando desligamos a televisão, ficamos no escuro e só importa a voz. Quando o silêncio ainda é bonito porque ele está ali. Ali, comigo, no meu corpo, na minha história, no meu mundo. Fazendo parte de mim, do que eu visto, do que eu espero que seja o meu futuro.
Somos nós voltando para casa com vontade de pegar a estrada para outro lugar. Gritando os vidros abertos de que o mundo está errado. Sim. Eu fui feita para ele, no molde perfeito, e isso nunca acabará.
Pois são naqueles olhos que minha vida acontece e, com ele, eu posso morrer em paz. Posso sonhar feito açúcar e descer ao final do oceano com apenas um pedido: Que eu viva de amor.
E que vivendo de amor eu possa sorrir dos que pensam que a vida está no concreto, liga e desliga, compra e vende. A vida está no que no que não acontece, no que fica aqui dentro, no que a imaginação guarda. A vida está em nós. Nós que vivemos de amor e que, de amor, vivemos morrendo.

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