Respeite o tempo. Possivelmente eu mudei de opinião.

terça-feira, janeiro 08, 2013

A FÉ


 Anota:
A vida é um presságio

Querido amigo,
peço-lhe desculpas por minha falta de educação em minha última carta. Deveria ter sido mais atencioso com a sua vida. Como vão as crianças? Acredito que se tornaram jovens lindos! Annabeth se formou em Artes, não é? Ah, uma moça tão bela não poderia ter feito outra coisa!
É intrigante montar os rostos de seus filhos em minha mente. Caio, por exemplo, eu imagino que tenha o teu sorriso, mas os olhos só poderiam ser verdes como os de Julietta. Julietta ainda cozinha tão bem como antes? Lembro do sonho de sua amada de montar um restaurante. Conheci a Itália recentemente e imagino que ela aprovaria o tempero daquela terra romântica.
Em minha última correspondência eu comentei que a minha fé havia passado por experiências fantásticas. Foi justamente na Itália que tudo começou. Conheci um jovem casal que me fez relembrar nosso tempo de juventude onde o único objetivo era viver para fazer amor. O rapaz, chamado Rafael, era cheio de bravura e perspicácia. A moça, chamada Antônia, era bela como a lua e doce como um morango.
Era bonito ver a maneira com que se adoravam. Alias, depois que os conheci, passei a admirar a palavra "bonito". Deve ter prestado atenção que já a usei pela segunda vez desde que iniciamos nossas correspondências. É que a moça tinha tanta fé naqueles olhos que aquela esperança me cativou. Ela explicara com a voz de quem ensina que, "fazer bonito" era um ato próprio de quem amara.
Certa vez, Antônia me dissera que só quem já amou, poderia ter fé. Ela costumara usar a palavra "fé" de maneira cuidadosa. Acho que era porque quando ela falava de fé, ela também queria falar sobre Deus. E mesmo que pareçam a mesma coisa, eu comecei a notar que são duas palavras de significados diferentes.
Rafael sofrera de uma doença fatal. Os médicos já haviam o alertado de que ele não reagiria aos tratamentos. Foi justamente por isso que ele resolveu não contar nada a Antônia sobre sua situação. Fico me perguntando se há como contar à quem nós amamos que nós iremos morrer. Bem, se há um jeito de contar, Rafael não tivera descoberto.
Porém é impossível esconder algo que nos atormenta de quem possui o nosso coração, não é mesmo? Namoravam há um ano e dois meses quando Antônia descobriu que seu companheiro provavelmente não iria acompanhá-la até o final de sua trajetória. Você pode imaginar a aflição que aqueles lindos olhos de Antônia levaram ao ver os exames de Rafael. O fato é que o rapaz, com sua culpa, fez a moça viver uma mentira.
Rafael e Antônia falavam línguas totalmente diferentes, metaforicamente é claro. Mas não importara, não para eles. O amor parecia bastar. Bastou para que Antônia o perdoasse e o ajudasse a enfrentar sua enfermidade. O amor é a multiplicação do perdão, não é mesmo? Certa vez, o poeta escreveu "diga-me quem mais perdoou nesta vida e eu lhe direi quem tu mais amou". Antônia esqueceu sua dor para salvar a vida de quem ela tanto amara. Preste atenção: ela não o curou da doença, ela salvou a vida.
Salvar a vida de alguém é estender o braço quando o caminho a seguir é árduo. É assim que amamos as pessoas: salvando vidas. Foi salvando a nossa vida que Jesus Cristo nos deu amor. É deixar o peso da existência e compreender a parte bonita de estarmos aqui. Rafael teve que esquecer que sua existência iria acabar mais cedo para se permitir viver a beleza de um grande amor.
Pude acompanhar de perto a doença de meu jovem amigo e o companheirismo de sua doce namorada. Quando Rafael se foi, Antônia se mudou para o Brasil. No dia do velório, o corpo no caixão parecia sorrir. Foi quando entendi que a felicidade só seria cumprida quando a vida estivesse cumprida também.
Sabe, se não houvesse fé naqueles dois, não teriam atravessado o caminho. É preciso muita coragem para levar adiante um amor que não será como os outros. Não tiveram tempo de casar, ter filhos e possuir casa. Nunca vi Rafael e Antônia se preocuparem se iriam terminar a faculdade, se conquistariam o emprego dos sonhos e se o dinheiro pagaria a prestação do carro. O fato de entenderem que aqui é apenas um presságio foi o que os deu força para não ter medo do que vem depois.
A vida é um presságio, amigo. Não há tempo para esperas. É por isso que todo o amor do mundo deve ser dado hoje. Se não viemos aqui para cumprir a tarefa de amar, por que parece que Rafael não viveu o suficiente?
Espero que esteja lendo com pausas esta carta. Quero que se apegue às seguintes palavras: fé, Deus, amor. Hoje eu sei que embora significados diferentes, estão juntas. Só conhece a Deus quem já amou. Quem não teve a capacidade de amar, não poderia ter fé e nem poderia reconhecer quem o criou.
Eu venho percebendo que Deus não quer que sigamos regras. Para Ele tanto faz se vamos guardar o domingo ou não, desde que saibamos que Ele nos criou. O que importa se é chamado de Deus ou Alá? Os trajes das moças ou os chapéus dos rapazes. O que importa? Não é isso que Ele quer de nós. O que é preciso é ter fé.
É saber que há uma força, independente de como você crê nela, que nos rege. É permitido ter a sua religião, como é permitido não a ter. Repito: O que é preciso é ter fé. A fé que nos traz o amor. O amor que é a meta de estarmos aqui.
Porque a fé significa esperança. Dela poderemos construir coragem, mover montanhas, construir prédios, separar o mar vermelho. E o amor é bonito. É com ele que nós dividimos a vida e é com amor que poderemos nos salvar.
Bom, acho que eu já escrevi demais hoje. Queria novamente demonstrar a saudade que tenho de poder conversar com você, meu amigo. Frente a frente seria mais fácil você entender a minha fé. Desejo uma boa semana e boas histórias.

Com esperança,
Chico.

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