Respeite o tempo. Possivelmente eu mudei de opinião.

quarta-feira, janeiro 23, 2013

A MORTE


Anota:
A morte é um destino.

Querido amigo,
Cá estou novamente. Mas hoje não me encontro preso em emoções e temo que minha correspondência não mereça o valor de sua última carta. – Estou vazio. – Há dias em que nem as palavras podem me fazer companhia. Não sou um homem de muitos amigos, você sabe. A minha solidão é minha maior companheira. A poeta traduziu: “Amo poucos, mas os poucos que amo, eu amo muito.”. Amo a minha solidão.
Sim, meu querido. Minha nora faleceu há quatro anos. Elias ainda é um tanto apreensivo com a sua perda, mas creio que já se encontra mais forte. Quando tudo aconteceu, senti o medo apavorante de que meu filho não fosse aguentar a dor de perder sua bem amada. Se isolou, procurou rituais e espiritismo, não recebia as minhas visitas, não atendia as minhas ligações, amou a sua solidão. Eu, como pai e como escritor, tivera receio de recriminar as suas atitudes, afinal ele só estava seguindo o meu exemplo. Sempre guardei a dor dentro de mim para poder pincelá-la em letras, porém Elias não soubera o que era dar nome a tristeza.
Sabe, meu querido, quando alguém que nos é próximo morre, temos que deixar aquela pessoa ir. Se ficarmos procurando respostas, remoendo a raiva da perda, tentando decifrar os acontecimentos, nós roubamos a paz da pessoa que nos deixou. O mesmo deve fazer a pessoa que se vai, para onde quer que se vá, ela deve deixar as pessoas que ficam continuarem. São dois lados que se equilibram.
Eu vira Elias tirar o sossego de sua bem amada. Creio que a morte seja mais complexa quando separa duas pessoas que têm uma ligação tão forte como eles tiveram. Tudo o que Elias sofrera, Clara sofrera também. Eu conseguira enxergar a dor que ele causara a sua falecida esposa.
Em uma manhã de domingo recebi um cartão postal de Karina, minha afilhada. Nem me lembrara mais que esses cartões existiam. E, como num passe de mágica, me veio a ideia de escrever a Elias. Comecei a enviar cartas. As primeiras, eu confesso, que remeti sem muito entusiasmo, porque conheço o coração duro de meu filho. Usei de minha experiência como autor e inventei um personagem, escrevi mundos, dei conselhos, abusei das estrelinhas e soube que Elias teria faro para entender tudo o que eu escrevera. Ele é um ótimo revisor de textos. O entusiasmo das cartas veio a partir da primeira resposta: “Quem é você?”. Pena que não herdou a curiosidade do pai.
Fiz com que Elias entendesse que não era um pecado viver o luto. Ele deveria chorar aquela dor. Mas não havia mal algum em continuar. Muitas vezes, em suas respostas, eu percebera que Elias tinha receio de perder definitivamente a presença da esposa. Sabe, nós nunca perdemos definitivamente a presença de quem amamos. A pessoa sempre estará guardada no cantinho de nossos corações. E, mesmo a morte, não pode levar isto da gente.
A morte é o processo que separa as partes físicas. Eu não sei se poderei reencontrar Catarina. No entanto, eu sei que a minha vida não teria o valor que tem se eu não pudesse ter tido a oportunidade de conviver com aquela mulher maravilhosa. Agradeço ao nosso Criador por ter me dado a chance de conhecê-la. Eu tive que confortar a minha dor, por muitos anos, imaginando que ela ainda estava ali. Lembro que a minha avó fizera o mesmo quando perdera o meu avô. Escutara meus tios falarem sobre  ela estar ficando doente por causa da morte de meu avô e, por isso, falara sozinha. Hoje eu sei que a loucura era só uma maneira de lidar com a tristeza. Fingir que as coisas continuavam iguais para que, de pouco em pouco, pudéssemos nos conformar.
Para os velhos isto é só um ritual. Mas, para os jovens, isto pode ser um sopro de vida. Elias soube entender o que eu queria dizer. Se ele pudesse imaginar Clara ali, ele poderia resolver muitas coisas em sua vida. Era só tirar – como é mesmo que se diz? Ah sim! Isto mesmo! – tirar o “lado bom das coisas”. Elias tomou como impulso todos os objetivos que ele e Clara fizeram: terminar os estudos, viajar, abrir seu próprio negócio, comprar uma casa no bairro mais “bonitinho” da cidade... Ele entendeu que se ela se foi, a culpa não era dele. E que se ele ainda está aqui é porque ele ainda tem muito o que viver neste mundo misterioso.
A morte é mais um mistério do mundo. Não existe pessoa preparada para ela. Há pessoas, como nós, que já vivemos o bastante para aceitá-la. E há pessoas que cometem o erro de pensar que ela não virá. – Como pode algo tão natural ser, ao mesmo tempo, tão triste? – A morte é um destino, meu companheiro. Destinos não levam datas, não exigem horários marcados; Destinos não existem.
Cada um tem a sua maneira de lidar com a perda. Eu, como já disse, tive que continuar o amor que construí com Catarina. E acho que esse é o caminho. Não consigo aceitar a ideia de que a morte seja um motivo para terminar de amar. E, você sabe, quando eu falo sobre “amar”, eu quero dizer “enviar amor”.
Um exercício que eu venho fazendo todas as noites, antes de dormir, é me lembrar das pessoas que eu vi durante o dia e imaginar como seria se elas não estivessem mais aqui. É bonito, porque quando o amanhã chega, eu não posso perder a oportunidade de abraçar aquelas pessoas. Depois eu rezo.
Rezar é uma maneira de preparar o nosso espírito. – Boa semana e que você também saiba encontrar a paz, em vida, é claro.

Com vida,
Chico.

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