Respeite o tempo. Talvez eu tenha mudado de opinião.

sexta-feira, abril 20, 2012

AH, SE OUSÁSSEMOS!

A noite ainda é a mesma, é claro. Mas pode-se notar as mudanças. A música não toca mais, os versos se calaram, as pessoas que costumavam andar por aquela rua não estão mais ali. O casal que se encontrara todo final de semana na praça central, cresceu. É este o grande problema dos apaixonados: eles crescem. Alteram todo o cenário que o poeta criou e fazem de conta que a realidade é um mundo sem amor.


Ainda lembro do olhar misterioso da menininha de cabelos negros e pele branca que esperara o amado todo domingo no mesmo banco daquela pracinha enxuta que um dia já foi tão bela. Admirei a coragem da mocinha que enfrentara a solidão do lugar na espera do namorado que novamente se atrasara. E suspirara o olhar apaixonado com que ele chegara para busca-la e leva-la às noites de amor. Eram perfeitos, um ao outro, pena que nunca souberam admitir tal destino.
Vi a moça chorar abandonos e vi o moço ajoelhar desculpas. Típico do amor jovem. O primeiro amor. Aquele que aquece os corações e nos faz conhecer partes do nosso corpo que mal sabíamos admitir. Aquele amor doce e, ao mesmo tempo, destruidor. O amor que nos prepara para a vida, que nos faz sonhar e que nos tira o chão.
Com aquele casal eu pude descobrir o significado da palavra “saudade”. Sinto falta de olhá-los enquanto faziam juras de amor. Planejavam se casar, ter filhos, viver uma vida simples e docemente feliz. Cuidavam da presença um do outro, pois entendiam que sempre viveriam da ausência. E pediam à vida que não levassem a pureza daquelas mãos que se tocavam.
O que aconteceu, não sei. Às vezes acho impossível entender as voltas que o coração percorre. Se permitiram esquecer. Deixaram com que a vida continuasse e que o amor ficasse aos cantos. O maior perigo deste lugar onde vivemos são os cantos. Os cantos guardam tudo que não se acabou, que faz remoer a dor e a mágoa, que guarda lembranças e que faz a pergunta mais dolorosa de um desejo não realizado: “E se?”. E se eu não tivesse ido embora? E se eu tivesse dito? E se eu tivesse calado? E se tivesse dado certo? – Se tivesse dado certo, talvez eu fosse mais feliz.
Em cidade pequena as notícias correm rápido. O que se soube é que cada um encontrou um novo amor. Soube-se também que trocaram de cidade e que a mocinha bonita sofreu um acidente, perdera a memória, esquecera o próprio nome. Sou um poeta tão sensitivo que consigo sentir a confusão que roda a cabeça da moça. Posso vê-la sacudir a poeira do vestido sem saber que quem o deu foi seu primeiro amor no aniversário de quinze anos.
E sei que no esquecimento da moça também sofre o coração do rapaz. Ainda que os passos construam novos caminhos, a dor causada pelo esquecimento é eterna. Imaginem como o coração do rapaz acelerou ao reencontrá-la e como os olhos transbordaram água ao notar que ela não soubera quem ele era. Anos do amor mais a flor da pele que já se viveu e a amada não o conhecera. – Outro perigo dessa vida, é conviver sem saber quem é.
Com o conhecimento que as minhas histórias me trazem, sei que o rapaz tem na memória o sorriso da menina. E sei que na menina transmutam dúvidas sobre o passado. Uma conversa talvez resolvesse tudo, porém palavras não justificam atos. Como contar sobre um amor de novela à quem viveu e não se lembra? Como resgatar a alegria de um coração que esquecera o que é sorrir? Como cantar a música se a cantora não é a mesma?
O que desossa um poeta e o tira a força de continuar de pé, são as expectativas de uma história que acaba com reticencias. Bem, eu sempre soube que a vida é mesmo assim: mal pontuada. As história acabam e não há um locutor se despedindo com um “Viveram feliz para sempre.”. Não. As histórias da vida não acabam. Elas continuam, sem vírgulas e sem pontos. Não se pode compreender a leitura da história da vida. Ela não tem finais certos, é tudo muito confuso, porém ainda é um pecado que o amor não mude isto.
A tristeza já não é minha, agora sou um poeta que canta. Mas não desaprendi a ler, e ainda posso ler os olhos daqueles que amam. E tenho medo. Medo de descrevê-los pois a vida irá continuar e eu não posso alterá-la. – Como perder o medo de virar a página? – Como criar coragem se hoje sou sozinho? E em minha janela só vejo o vento e não há beleza na passagem da vida que parece se esgotar...
Ora, quanta contradição nas palavras de um poeta velho! Não é mesmo? Alegrem-se, pois só há um motivo para que um ser-humano entre em contradição: estar apaixonado. – Ah! Se as loucuras dos meus versos puderem um dia se tornar reais e me vissem como uma criança que divide o sorvete por carinho... A parte boa de desenhar palavras é que com os erros dos personagens, nós podemos evitar os nossos. Heis que a vida me trouxe a chance de mudar a história daquele casal, heis que a ponte entre o fim e o recomeço será atravessada. E ai de nós não atravessá-la, ai de nós apaixonados fúnebres que pedimos socorro às divindades, ai de nós que finalmente iremos poder abraçar aquilo que nos faz feliz.
Por isso, fecho as janelas e escondo o vento. Deixo a cidade e aquela praça. Desejo felicidades aos pombinhos que hoje vivem separados. E vou embora daqui. Sim. Eu vou embora daqui... E quando souberem de mim, lembrem apenas que daqui eu só quis uma coisa: amor. E só volto aqui com ele em meus braços. Adeus.