Respeite o tempo. Talvez eu tenha mudado de opinião.

domingo, novembro 03, 2013

03-11-2013

"(...) Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa." 

Perdoando Deus em "A descoberta do mundo", 1970, Clarice Lispector

A BATALHA

"É preciso nos afastar das pessoas para conhecê-las. Para sabermos se farão falta, se tiveram algum lugar em nossas vidas, para tomarmos conhecimento do que elas pensavam de nós. É, meu caro amigo. As línguas que um dia nos fizeram sorrir são as mesmas que hoje nos reprovam. E foi com as mesmas que eu aprendi: Não podemos julgar diante da raiva, revidar diante da dor, muito menos provocar com ódio quem um dia já amamos."



De novo e, dói confessar-lhe isto, de novo estou só. Natural. Acho que já me acostumei com a minha solidão. Minha própria companhia parece até mais confortável do que a última vez. Ter meu tempo, meus planos, meus horários e poder decidir se vou usar um par de chinelos ou sandálias é muito doce. Doce, sim, meu caro. O açúcar de minha vida se encontra na saudade daquilo que eu ainda nem vivi. E para viver terei que andar com meus próprios passos. O percurso solitário mostrou-me que algumas coisas somente eu poderei fazer com que dêem certo. E quero muito que o final desta estrada tenha uma satisfação chamada “batalha”.

A batalha é um conjunto de coisas que nos levarão ao sucesso. Ter uma vida saudável, bons amigos, exercitar a mente, vencer os nossos medos, encontrar alguém, terminar a faculdade e arrumar um bom emprego. Tudo o que o sonho americano já pediu de tantas pessoas. Monótono, eu sei. E nada a ver comigo. Mas é só isso que eu ando desejando: sossego. E, mais que isso, fazer aquilo que eu gosto. Independente do que as outras pessoas irão falar. Ah! Admito que já me preocupei demais. Tu bens sabes que por muitos anos eu chorei sozinha pela opinião de quem não faz diferença alguma em minha vida. Cansei. Se as minhas botas vermelhas de combate não agradam, elas me deixam muito confortáveis. Se não são femininas, eu acendo o meu próximo cigarro e espero sonolenta que lancem algo “da moda” e do meu gosto. Ou não. Tanto faz. Pode esquecer o “da moda”.

A batalha é tão confusa quanto a cor do meu batom. Alguns dizem ser vermelho cereja, outros falam em cor de sangue, eu acho a tonalidade perfeita para que ninguém chegue perto. Risos. Estou brincando. Não ando tão chata assim. Só acho que perdi a compreensão. É. Você se lembra como eu era uma menininha compreensiva? Ainda tenho os mesmos sonhos, o mesmo brilho no olhar, a mesma vocação com as palavras e o mesmo acolhimento pelo silêncio. Mas a paciência com o outro se foi... Talvez faça parte dos vinte anos. Ou talvez sou eu que preciso de férias. Creio que a batalha seja mais entre eu e mim mesma do que com os outros. Preciso re-aprender a remar a aceitação. Preciso aceitar o que as outras pessoas querem de mim. Preciso parar um pouco e estender a mão a quem amo, porque essas pessoas também precisam do que eu sou. E elas também desejam que eu mude, pois tenho defeitos. Pois nunca fui e nem tenho vocação para ser perfeita. E porque tudo o que eu sempre quis, talvez, fosse que alguém gritasse para mim que eu estou errando.

O erro é, simultaneamente, a motivação e o estopim da batalha. É pelo o que o exército briga e é também a causa de perderem a calma. É o arrependimento tardio no final da guerra quando já se perderam muitas vidas. É o olhar cansado que vigia o passado e entende que poderia ter sido de outra forma. É o conselho que vem da própria experiência. É aquela regra que se torna parte de nós, porque já sabemos que se fizermos de novo, iremos perder tudo. O erro não é o medo. O erro é a coragem. É preciso coragem para arriscar em uma batalha. E é preciso mais coragem ainda para admitir que erramos.

E porque todos pecam e vão a igreja confessar seus pecados, eu penso que o erro não é tão grave assim. Ensinamos nossas crianças a pedir desculpas, mas esquecemos que a dor não é algo que se conforta com uma palavra. A dor tem fases: o luto, a aceitação, a renovação e então a hora de perdoar. Assim como o arrependimento precisa vencer o orgulho, o perdão precisa vencer a dor. Talvez o estopim de uma guerra perca mais vidas do que as pesquisas apontam. Talvez não foram só milhares de vidas que se perderam, às vezes há corpos que voltam sem almas.

Quem dera pudesse eu resgatar todas as almas que eu deixei ir embora. Pedem demais de mim quando desejam que eu explique os meus motivos ou volte atrás em minhas decisões. Evacuar a área não é mais fácil? É, é sim. Muito mais fácil fugir da batalha do que vivê-la. Porém fui eu mesma que lhe contei sobre a luta, não foi? E sou eu mesma que estou fugindo dela. É porque quem escreve esta carta nem sempre é tão bom assim. E porque todos pecam e vão a igreja confessar seus pecados, eu penso que o erro não é tão grave assim.

Não ligue se hoje estou repetitiva. Ou se daqui nada se pode aproveitar. Não é só o sentimento de saudade. É a libertação que o que sinto me traz. Eu precisara correr um pouco e encontrar o discernimento. Pode ser que eu não volte lá e peça desculpas. Até porque na mesma proporção em que eu errei, eu também senti dor. No entanto, eu gostaria de lembrar que nós não vivemos uma só batalha. São vários campos de guerra que lutam por um único prêmio: o amor. Não é o amor entre o rapaz e a mocinha, mas o amor entre tantas coisas em que nós deixamos a nossa devoção. É o amor por cada parte da nossa vida que já se foi e que nos transformou. Nós somos um conjunto de sabedorias. Uns mais, outros menos... Mas todos possuem uma carga pesada de transformações. Não é a forma como a borboleta foi lapidada, nem quem a lapidou, mas o que ela é hoje.

O que sou hoje, rapaz? Eu realmente gosto do que sou? Eu poderia ter sido mais? Quem está comigo sabe o que eu sou? Será que todos a minha volta conhecem o meu potencial? Qual o meu medo de ser o que sou? O que é que me paralisa? E o que é que me inspira? Será que a minha inspiração pode mesmo estar presa a alguém? Ou talvez eu tenha que aprender a ser a minha própria motivação? – O que eu sou hoje, rapaz?

Eu posso escrever e você cantar milhares de palavras que tocam pessoas. E, mesmo assim, ainda estaremos parados. São felicidades tão frágeis! Foi isso o que eu me tornei? Alguém que precisa de alegrias que não são minhas? Onde é que eu deixei o caminho da fé e pensei que as outras pessoas poderiam me escutar? Não, não senhor. Nós não mudamos. Somos os mesmos. Nós voltamos para o mesmo lugar. E, muitas vezes eu penso que, vamos continuar voltando até descobrirmos o que falta para podermos lutar por essa batalha. A batalha do amor. E da compreensão.

Eu não poderei lhe julgar e pedir que mudes. Não poderei apontar teus erros e nem falar sobre a minha dor. Eu não posso contar-lhe os passos. Não sou eu quem dita as tuas regras. Cada um sabe o que traz em seu coração. E cada um sabe o que leva de mim. Mas, peço-lhe, leva isto: Se fores falar de mim, fala apenas que nunca me conheceu. Que a batalha que eu travei é para me lembrar das coisas que eu deixei para trás. E que, se um dia eu voltar, eu sempre voltarei mais forte. Porque todas as lutas aumentam a minha fé.