Respeite o tempo. Talvez eu tenha mudado de opinião.

sexta-feira, março 04, 2016

04 do 03

"Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de "meio doida”. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artaud. Ou Rimbaud." 


Carta ao Zézim 
Caio Fernando Abreu

MORTE DE AMOR OU DE REALIDADE?

“Algumas pessoas são presenteadas com a chance de amar mais de uma vez. Gosto de pensar que elas são o estereótipo de pessoas que se doam. Se entregam. Se atiram em precipícios. São pessoas verdadeiramente corajosas. Pessoas que não temem as mudanças. Pessoas que abrem portas ao invés de mantê-las intactas. Que escorraçam. Que sentem. Que inspiram. Às vezes eu sou desmiolada o bastante para acreditar que essas pessoas movem o mundo.” 


Há uma beleza indescritível nas frases de amor: o silêncio. Quando a voz silencia e resta apenas o barulho da respiração, o aconchego do abraço e a suavidade dos olhos fechados... Ah! Os bons e velhos românticos! Suas canções bossa-nova e o rock clássico, classiquíssimo! Eu gosto sempre de repetir: amor quando é bonito pode esbarrar na caretice. 

Mas será que o amor romântico anda lado-a-lado da realidade? Quantos amores foram deixados de lado em decorrência dos fatores reais? Talvez o ser-humano seja tão singular que um dia tropeçamos no amor versus realidade. E os ditados brasileiros parecem fazer sentido: nem só de amor vive o homem. 

Nós crescemos idealizando uma vida inteira: sonhos, metas, planejamento. No entanto, no meio do percurso, o coração acelera e pronto! Nós estamos apaixonados! Há os sortudos, e poucos, que continuam a viver a sua rotina mesmo estando enamorados. Contudo, há aqueles que precisam alterar todos os seus costumes para se adaptar ao lado do companheiro. E ambos os sujeitos, sortudos ou não, são felizes por amar. 

O que eu fico a pensar é naqueles que são completamente diferentes dos seus bem-amados. Que idealizaram suas vidas de uma forma distinta e que, se não houver compreensão e paciência, o companheiro muito provavelmente não poderá acompanhá-lo. Eu falo no ser-humano singular que não aprende a ser “nós”, a ser casal. E que individualizando as pessoas do relacionamento acaba por, sem perceber, criar muros onde deveriam ser construídas pontes. 

Então, é claro que não vai dar certo, mesmo com todo o sentimento envolvido. Se o casal não sonha junto, não cresce junto, não se cansa junto, esbarra na boa e velha dor de amor. Um dia um desperta e resolve ir buscar tudo aquilo que deixou para trás quando pensou que ser casal seria fácil. Não é.

Às vezes nós esquecemos o valor da verdade para tentar agradar. E, inconscientemente, nos ferimos.  Aqui um conselho importante: – não queira estar ao lado de alguém que vive um amor fantasia, prefira estar acompanhado de quem sente-se seguro em lhe dizer a verdade, sobre a sua vida, sobre os seus planos, sobre o relacionamento de vocês. Diálogo e exteriorização tem sido o segredo dos casais que não fazem parte da população divorciada deste país. 

Outro segredo? É que mesmo real, o amor não pode deixar de ser fantasiado, de ser bonito. Declarações inesperadas, viagens românticas, músicas que descrevem nós dois... faz a vida em conjunto ser mais leve e inspiradora. Sabe, eu gosto sempre de repetir: amor quando é bonito pode esbarrar na caretice. 

Mas não pode nunca tropeçar nos acúmulos de nós na garganta. Ou senta na mesa e joga as cartas, ou sai pela porta da frente. Essa é a regra. Se for para amar pela metade, não entre nesse jogo, é furada! Dê-se a oportunidade de encontrar alguém que lhe faça ser amor por inteiro. 

Companheirismo. Entender as prioridades do outro e respeitar suas formas de priorizá-las. Acredito que o grande problema das relações está baseado na falta deste ingrediente. Eu já mencionei: o ser humano é singular por natureza! Se não puder ir de encontro daquilo que sempre almejou ao lado do seu bem-amado, ele vai sozinho. E às vezes eu caio na tolice de acreditar que a solidão é melhor do que esperar vinte anos para perceber que levou uma vida desencadeada de insatisfações. Se for para frustrar, frustre agora: juventude, sem filhos, sem brigas por herança ou pela falta dela... 

Ora essa!  O que deu nessa mulher para murmurar tantas besteiras nesse começo de ano? – Ah! É que estou à questionar: Se você continuar me tratando da mesma forma que me trata hoje, daqui a vinte anos, eu ainda estarei feliz? 

Se a resposta for “sim”, 
morro de amores. 

Entretanto, 
se for contrária,
tropecei no amor versus realidade.