Você precisa me deixar ir. Eu venho me desvencilhando dos lugares, roupas e pessoas; mas você continua o mesmo. Você ainda pensa. Eu posso sentir o seu pensamento me buscando e eu sei o motivo. É a culpa. A culpa de ter tomado o caminho errado, outra vez. A escolha absurda, o afastamento do equilíbrio, a sombra que ocupa o espaço vazio.
A memória ainda guarda o cheiro do perfume doce, as palavras ainda levam o ritmo da minha leitura, o céu tem as cores que eu descrevi. Você está no mesmo livro, rapaz. O personagem não morreu, porque a história não acabou. Eu não posso pontuar o fim se você não me deixar ir.
Você não pode perguntar sobre mim às pessoas que me são próximas. Você não pode assistir aquele filme que nós gostávamos. Você não pode inventar e viver uma história como se eu ainda estivesse ali. Você não entende? O telefone não vai tocar, os livros não irão perder as palavras, as janelas estão trancadas e as portas destruídas. Não há passagem. Há separação.
A separação tem que ser real. A dor não é separar-se, a dor é saudade. A saudade não nos pertence mais. Somos duas almas que deveriam escolher a solidão diante do abandono. Porque sim, sim rapaz, nós nos abandonamos. Não houve um “até logo”, nem um “adeus”, muito menos o estimado fim. Houve medo, fuga, urgência, abandono.
E como é possível duas almas predestinadas ao romantismo resolverem abandonar o amor? Resposta simples. Nós deixamos de fazer bonito aquele amor que era tão real. Nos perdemos. Fizemos um trato com a rivalidade e venceria quem fosse mais cruel. Mas cruel com o quê? Com quem? Com as pessoas que nós deixamos que fizessem parte desse teatro? Ou com nossa própria dor?
Permitimos que aquelas pessoas se aproximassem, tomassem lugares, descobrissem segredos e sofressem com o nosso mistério. Pessoas como nós, querido Senhor Solitário, deveriam permanecer sós. No entanto, nós procuramos aconchego, encontramos um lar, cercamos nossa casa e construímos uma vidinha simples e doce. E que mal há nisso? Onde está o erro? O erro está na história que eu não pontuei.
É a separação que a sua alma não deixa que eu viva. Senhor Solitário, me escute, me leia, eu imploro! Deixe-me ir. Estou só há meses nessa espera de que você me esqueça, mas eu não vejo o esquecimento em seus traços. De longe, passo em frente de sua casa todos os dias, nunca o vejo, mas sei que estás lá. Sentado, tentando admitir a solidão daquele buraco negro, até que o passarinho faça parte da cena.
É lindo escutar o canário cantar, mas a sua alma encontra-se aflita. O canto não acalma se você não permitir-se. O problema é que, para isso, você precisa me deixar... E você não o quer. Você quer que eu permaneça e faça você acreditar que a escuridão daquele buraco negro irá se tornar um arco-íris de cores. Você precisa acreditar nisso. Precisa que o vento traga um sopro de vida aos seus olhos vermelhos.
Afinal, os meses de separação são bonitos ou inevitáveis? Me pergunto se você os vive ou apenas finge. É que a sinceridade desse encanto não corre junto com a correnteza da sua alma. Ao contrário, ela afunda. – Você está se afogando no seu próprio erro, ao invés de se buscar saúde, são os velhos costumes que aumentam. São novas mentiras para os nossos pais, porém as mentiras escondem os mesmos deslizes.
Deixe-me ir, Senhor Solitário. Você tem que se desvencilhar dos lugares, roupas e pessoas, mas você – você – continua o mesmo. Como se a separação não existisse e os tempos fossem sempre Natal.