(Quando nós dois teremos coragem?)
O coração dela já soubera que era ele quando escutou o barulho da porta. “Não era para ser assim”, pensou e com o canto dos olhos pôde enxergar os passos calmos de Benjamin. Mais uma vez o rapaz deprimido deixava o prédio de Anastácia para encontrar conforto nas ruas da grande cidade. E mais uma vez a menina Anastácia prendera a respiração enquanto fitava Benjamin atravessar a recepção. Separações. Elas são assustadoras.
Anastácia aguardara sua mãe na recepção do Edifício Mariana, porque esquecera sua chave no trabalho. Para não pensar no bem amado, abriu o livro de anotações e tentou recordar-se das entrevistas que fez durante o dia. A menina recebeu a árdua tarefa de escrever sobre separações para o jornal onde trabalhava. Justo ela que não havia superado o divórcio dos pais... Justo ela que sentia-se exausta por ainda carregar aquele sentimento por Benjamin.
Nos escritos, recordou-se de um senhor que parecia ter enterrado seu passado junto aos sonhos perdidos. Não se tratava de uma separação romântica, o senhor que a intrigava separou-se de si mesmo. Ingressou na faculdade de administração ainda jovem, mas não pôde terminá-la e, ao suspender o andamento do curso, suspendeu também o sonho de ter o seu próprio negócio.
Durante a entrevista, o senhor revelou que era um jovem aventureiro, honesto e que preservara o bom-humor. Acontece que as caraterísticas atuais do jovem senhor parecem muito distantes de como ele se descreveu no tempo de juventude. Anastácia se questionou se esse era um castigo do tempo ou se era consequência das atitudes daquele senhor.
“Será que todos nós iremos perder nossas características marcantes com o tempo?”, protestou. Tentou recordar-se de sua avó descrevendo os seus pais e lembrou-se de algumas histórias. “Esses não são os meus pais divorciados”, sentenciou. Parece que os pais de Anastácia também deixaram um pouquinho do que eles eram no caminho. Parece que todos nós deixamos...
Os pais de Anastácia e aquele senhor tinham algo em comum: o tempo não foi o responsável pelas coisas boas que perderam. O tempo apenas seguiu o seu curso natural. Não há grandes responsáveis pelos erros dessas pessoas além delas mesmas e Anastácia soubera disso. “Deus nos concede a oportunidade de conhecer pessoas incríveis, mas são as nossas atitudes que fazem com que essas pessoas permaneçam ao nosso lado”, concluiu.
Inegavelmente, as atitudes daquele senhor afastaram os seus sonhos e os desentendimentos entre os pais da menina apartaram o que eles tinham de mais bonito: o amor. Anastácia pareceu compreender o que fez com que o relacionamento dos pais cessasse: foi a falta de coragem.
Os acúmulos de nós na garganta sufocaram o casamento dos pais da menina. A mãe, sempre com o coração aflito, não tivera coragem de dividir seus importunos com o companheiro. O pai, sempre com pressa, escondera-se na falta de tempo para não conversar sobre eles. Pecaram em não compartilhar toda a sua história com o outro. Eis o segredo: para um relacionamento ter sucesso é necessário sentir-se confortável em poder conversar sobre tudo.
Anastácia fechou os olhos e pareceu absorver tudo o que ficou a pensar naqueles momentos. Ela e Benjamin caminhavam para o mesmo abismo daquele senhor e de seus pais: o rapaz deprimido que perdera os seus sonhos, a menina que amava silenciosamente por receio de compartilhar o seu amor. Foi quando Benjamin entrou pela porta e ela chamou por seu nome.
“Eu agora tenho coragem, Benjamin. E antes que você cometa o erro de acreditar que é muito tarde, deixe-me te fazer lembrar: tarde demais só depois da morte”. Uma sorte ainda estarmos vivos para encorajarmos os nossos corações. Uma baita sorte esbarrarmos em uma nova oportunidade! Eu quase posso acreditar em destinos... Fecha parênteses: teremos coragem ainda nessa vida.