A caminhada solitária dos destinos parece-me tão desigual. Enquanto uns nascem em berços de ouro, outros sequer berços têm. Os pequenos homens não têm consciência da imensidão que é a sua morada. “Um mundo inteiro”, pensei. Um mundo extraordinário!
Mais um verão chegara com o nascer do sol. Há alguns dias já era possível notar os sinais de sua chegada e a sensação ainda era a mesma: grandioso! O verão é um período grandioso!
Sensação de coração quentinho e abraço apertado. Parece que a nova estação devolve todas as cores que foram levadas pelo inverno e torna os sorrisos mais fáceis, como um passe de mágica. Respirei fundo. O ar que imergia em meus pulmões era leve outra vez e tive certeza: é verão.
Peguei o elevador e lembrei que ninguém deve entrar em elevadores no primeiro dia de verão: - as pessoas reclamam. Cada andar ultrapassado é uma nova reclamação até que finalmente elas reclamam dos dias quentes, como se elas esperassem temperaturas negativas no início da estação. Por sorte, era verão e eu estava de bom humor.
Eu havia acordado mais cedo e por isso resolvi ir para o trabalho caminhando, o que fez com que eu olhasse repetitivamente para os meus pés e sorrisse: eu estava usando sandálias de cores alegres. Fui despertando sorrisos, daqueles sorrisos de fechar os olhinhos, até que meus olhos fitaram um senhor deitado perto do coletor de lixos. Os sorrisos terminaram e eu entendi que o que era verão para mim, continuara a ser inverno para ele.
Enquanto eu vestira roupas divertidas, aquele senhor vestira um moletom velho e sujo de cores frígidas. O seu olhar era triste e, de longe, era possível notar que o seu coração estava gélido, como se os dias quentes não tivessem o aquecido. Eram mundos tão distintos e que ocupavam uma mesma rua. Me aproximei e perguntei se ele precisara de algo, pergunta a qual não obtive respostas.
Continuei andando até o trabalho e, naquele dia, nenhuma história pareceu interessante o bastante para escrevê-la, porque eu estava ocupada com a história daquele senhor. No final do dia, voltei pelo mesmo caminho, mas não o encontrei. Eu nunca o encontrei novamente. Estação após estação, o senhor nunca mais cruzara o meu caminho.
Os encontros e desencontros da vida são bonitos e causam espanto. Mesmo num curto espaço de tempo, aquele senhor me confrontou e eu compreendi que uma das sensações mais desafiadoras que a vida nos impõe, é se sentir merecedor.
Você pode se sentir merecedor de toda a sua trajetória? Então, por que eu carrego a sensação de que algumas pessoas merecem mais do que nós?
Uma criança não pode ser menos merecedora de um prato de comida do que um governante que ocupa um cargo poderoso. Não é merecimento quando o tema é fome ou miséria. Nem sempre a vida se trata de mérito.
Os pequenos homens que ocupam este mundo imenso resolveram desenhar linhas invisíveis dividindo-o em pedaços, os quais eles nomearam de “países”. Guerras foram traçadas, culturas foram exterminadas, almas que mereciam destinos lindos terminaram sua vivência sem nem ao menos a terem vivido, sem nem ao menos conhecerem o verão.
Todas as coisas boas que não mereço e, mesmo assim, as recebo, devem ser compartilhadas. Resta-me a gratidão por mais uma estação e o desejo de compartilhar os meus verões com as pessoas ao meu redor. Por isso, meu doce amigo, eu gostaria de lhe questionar: O que você tem feito com os presentes que o destino lhe concedeu?
Não seja o destinatário final do seu presente.
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