Anota:
A vida é uma ausência.
Querido amigo,
Eu venho notando as mudanças que o tempo nos proporcionou com os olhos daquela criança que acaba de conhecer o mar. É lindo! Pisar na areia, tocar o mar com os pés, escutar o barulho das ondas, sentir o vento balançar os cabelos... E perceber que aquele momento é único.
É único o momento em que paramos para pensar na vida e refletimos como está tudo bem. As peças do quebra-cabeça se encaixaram, não é? Faltam algumas, eu sei. Mas eu consigo notar a força que nós adquirimos para arrumar o que nos falta. Eu sei que, no final, o quebra-cabeça formará uma linda imagem.
Eu estou em paz, meu amigo. Eu perdi aquela ansiedade apaixonante pela vida. Apaixonar-se pela vida é o tormento que não nos deixa dormir. A idade nos proporciona esse desapego pelas procuras daquilo que sabemos que não iremos encontrar. E ainda, a idade nos faz entender que mesmo que estejamos com os braços abertos, nem tudo estará em nossas mãos.
É justamente no ponto que conseguimos compreender que a vida é uma ausência que nós ganhamos a tão sonhada paz. Passei – sim – a vida procurando por felicidade. E descobri que a única coisa que eu precisara fora paz. Porque a felicidade, meu caro amigo, é utopia. Ninguém é feliz em todos os momentos e nós dois sabemos bem disso. Eu venho acreditando que nós somos felizes somente uma hora antes de encontrarmos a morte. Pense bem, uma hora antes de ela nos tocar, já sabemos tudo pelo qual devemos nos orgulhar em nossa vida. Acabou. Hora de festejar.
Venho pensando em retomar antigos projetos. Você se lembra? Lembra como eu era um sonhador? Sabe... eu me lembro. Eu me lembro dos seus olhos brilhando quando falávamos em sonhar. Eu não consigo me lembrar se você tivera um sonho, me desculpe. Mas não me esqueço da maneira poética com que você costumava falar sobre o futuro. É uma pena que não possamos mais nos comunicar como antes. O tempo altera muita coisa, não é meu amigo? O tempo, muitas vezes, é traiçoeiro. Infelizmente nós vivemos apenas uma vez. E as horas não esperam que nós possamos nos decidir quando iremos ir. Se deixarmos para amanhã, o caminho pode não estar mais lá.
Eu queria poder acreditar em destino se já não tivesse perdido tantas coisas por pensar que ele traria de volta... Não trouxe. Foi uma escolha minha deixar a vida seguir seu ritmo natural. O curso natural da vida nem sempre poderá nos orgulhar.
Queria lhe contar que eu não sou mais o mesmo. Ainda tenho e, penso que nunca perderei, a minha ambição. Porém, não me preocupo mais com tantas coisas. O essencial já me parece o bastante. Às vezes a gente quer cuidar de tantas coisas que deixamos o que é bonito passar. Nem tudo nós é permitido, não é? É preciso deixar algumas coisas de lado e nos entregar àquilo que a alma pede. E, é bom limitarmos a alma, para que ela deseje somente o que os braços possam alcançar. Repito: nem tudo estará em nossas mãos.
Também queria lhe lembrar da minha fé. Continua forte. Vivenciei experiências fantásticas que fortaleceram a minha crença de que algo nos protege. Gostaria de partilhar esses momentos, mas já está ficando tarde e amanhã acordo cedo. Lhe escrevo em breve.
Com carinho,
Chico.
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