Respeite o tempo. Possivelmente eu mudei de opinião.

quinta-feira, maio 29, 2014

MAIO, IV

"Eu sou feita de madeira 
Madeira, matéria morta 
Mas não há coisa no mundo 
Mais viva do que uma porta. 

Eu abro devagarinho 
Pra passar o menininho 
Eu abro bem com cuidado 
Pra passar o namorado 
Eu abro bem prazenteira 
Pra passar a cozinheira 
Eu abro de supetão 
Pra passar o capitão. 

Só não abro pra essa gente 
Que diz (a mim bem me importa...) 
Que se uma pessoa é burra 
É burra como uma porta. 

 Eu sou muito inteligente! 
 Eu fecho a frente da casa 
Fecho a frente do quartel 
Fecho tudo nesse mundo 
Só vivo aberta no céu!"

A PORTA, VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro , 1970 

EU QUERO DOÇURAS

"Não, rapaz. Esta moça não sou eu. Eu não tenho traumas. Não tenho uma história triste para lhe contar e, se puder seguir ao meu lado, tens que sustentar a ideia de conviver com quem sorri de tudo. Não falo sério e nem corro riscos. Não nado contra a correnteza, eu flutuo com ela. Eu sento no banquinho em baixo da palmeira e observo o movimento das pessoas sem me preocupar com os horários. Estou sempre atrasada e não planejo um futuro. Eu vou indo...".



Há pessoas de todos os tipos. Encontramos algumas que nos fazem bem e outras nem tanto. Já me deparei com quem se apaixona fácil, com quem está sempre preocupado com o trabalho, com quem não tem tempo para sentar no barzinho às quintas, com quem sempre está com o tempo livre e com quem tem medo de se relacionar. Essa última sempre foi o meu maior medo. Não porque eu procuro alguém que queira um relacionamento, mas porque eu achei por muito que eu fosse uma delas. Não era. 

Nunca tive medo de relações. Não temo a ideia de manter laços. Acho bonito encontrar amigos e amores com quem podemos conviver e compartilhar não só nossas dores, como também nossos momentos felizes. Dividir domingos. Marcar um encontro para colocar o papo em dia ou ir ao cinema. Andar de mãos dadas. Discutir sobre política e respeitar a decisão de que “já é tarde, tenho que ir embora”. É linda a simplicidade das relações. E ela me encanta. 

No entanto, não é fácil ceder. Não é tão simples abrir um espaço para que alguém possa entrar sem bater na porta. Não é como regar flores todas as manhãs. É preciso muito mais que água e temperatura ambiente para que esta árvore dê frutos. Exige-se empenho. Sacrifício mútuo para o benefício de ambas as partes. Não é só deixar a porta encostada, temos que confiar a chave da fechadura. 

Eu não guardo o medo de entregar as chaves. Eu não temo a ideia de não encontrar alguém, eu temo a ideia de que, ao encontrar, essa pessoa não cuide da chave, nem da porta. Eu tenho medo de não ser amada. De passar uma vida ao lado de alguém e, no final, não me sentir amada. Eu aguentaria um casamento de altos e baixos, aguentaria a infidelidade, aguentaria vê-lo indo embora, mas não suportaria a ideia de que meu companheiro não me amou. – Não suportaria a decepção sobre a única coisa da qual eu sei escrever: amor. 

Vivemos para entregar pedacinhos de nós às outras pessoas. Nós somos todos os pedacinhos que já recebemos. Eu tenho um pouco do João, da Maria e do Carlinhos, e você vai ter um pouquinho de mim. As transformações do que somos vão acontecendo conforme as relações que mantemos. E quantas dessas relações nós podemos dizer que são especiais? Nem sempre nós somos especiais, já diria o poeta “às vezes nós só estamos preenchendo lacunas”. 

Eu não quero preencher o espaço vazio de ninguém. Não quero ter a ideia de que estou aqui só para não terminar sozinha. Eu quero encantos. E é por isso que eu vou deixando a porta encostada... Uma hora alguém leva a chave. Mas que a carregue por vontade própria e que segure-a para não perde-la por aí, porque não farei cópias e, apesar de estar aqui sentada, o tempo me custa caro.

quinta-feira, maio 22, 2014

MAIO - III

"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. 

O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos. Mas, quando vier o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá. 

Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor."

 1 Coríntios 13:1-13

TRAGO-LHE FLORES AZUIS

"(...) Você pode até duvidar.
Acho que isso não é amor."
LEGIÃO URBANA




O telefone tocou. Era ele. Estava na cidade e queria vê-la. Sem pensar muito sobre o assunto, ela aceitou o convite. Vestiu seu melhor vestido, escolheu o par de sapatos e, na boca, batom vermelho. Ele atrasou-se dez minutos, ela atrasara vinte. No jantar, ele fora cavalheiro, puxou a cadeira, não economizou na hora de escolher o vinho, conversaram e discutiram suas vidas adultas. Eram eles outra vez. Embora por fora fossem pessoas diferentes, por dentro ainda eram os mesmos olhares jovens de quinze anos. Por certos momentos eu quase enxerguei o brinco de pena e a jaqueta de couro. 

Após o jantar, a sobremesa. Ela ainda escolhera torta de limão e ele pedira o mesmo pedaço de bolo de chocolate. Ela tentou resmungar querendo dividir a conta, ele não aceitou. Saíram do restaurante e caminharam pela rua. Mãos dadas. Sorrisos paralelos que se encontravam ininterruptamente. Ele a levou para o hotel e, quando as roupas já se encontravam pelo chão, tiveram a certeza de que o tempo para eles não passou. Repito: Eram eles. Outra vez. 

Mas a manhã surgira e o sol batera no rosto de Alícia. Ele tinha que pegar o avião e não pôde ficar para o café, então ela sentou-se à mesa e serviu-se do melhor pão-de-queijo da cidade. Perguntou-se várias vezes, ali sentada, se a noite anterior fora um erro. “Outra vez! Meu Deus! Outra vez!”. Incrédula sobre a sua história com Arthur, decidiu deixar a mesa, pegar a bolsa e ir caminhando até a sua casa. Evitou os táxis. Queria escutar o barulho dos carros e das pessoas sempre atrasadas para o trabalho. 

Ele continuou sua rotina de reuniões com os sócios e rivais. Fechou mais um negócio, comprou outra ação, dividiu recursos e sabe-se lá o que mais fez com todo o seu dinheiro. O dia tivera sido perfeito para a economia. Enquanto isso no peito sobrava o vazio. Não era saudade. Não era vontade de vê-la de novo. Era medo de repetir a dose de culpa. Mais uma vez ele a deixara cheia de esperanças. 

Ao final do dia o telefone tocou. Era ela. Pensou e não atendeu. Repensou e retornou a ligação. Do outro lado da linha, a voz de quem chorou. A voz dela sufocada. A voz era a voz mais triste que já havia se escutado por ali. “Passa na floricultura, compra-lhe flores azuis e leva até ela”, Alícia suplicou. E ele foi. 

Chegou ao cemitério e procurou o nome. Nas lápides escondiam-se segredos e histórias que nunca mais seriam descobertas. Encontrou, sentou-se, deixou as flores e ligou para a Alícia. Era a melhor amiga e Alícia não conseguiu ir ao velório. Fora avisada tarde demais e as cidades eram distantes. Ele ligou, descreveu o túmulo e ela perguntou: “O que está escrito?”, ao que Arthur respondeu doce e delicadamente: “Flores azuis são grandes provas de amor”. 

As flores não foram endereçadas a Alícia. Não foram entregues ao seu apartamento com um enorme cartão de mensagens previsíveis. Mas eram flores azuis... E por trás da grande culpa que se guarda em um cemitério, existira um sentimento que se preocupara em passar na floricultura. Ele poderia ter mentido, dito que foi e não foi. E algum dia ela saberia, pois visitaria o lugar e a descrição estaria errada. Mas ele foi. Ah! Ele foi! E dividiu a dor de Alícia esperando que ela cessasse. 

E quem é que vai dizer que não era amor? Talvez fosse a maior prova de amor que já fora feita. Não pelas flores, mas por dividir a dor. Às vezes nós não precisamos de palavras confortantes, só necessitamos de alguém que fique do outro lado da linha dividindo o peso de não podermos fazer mais nada. Se Arthur e Alícia terminaram juntos eu não sei, não posso saber, mas sei que naquele momento eles finalmente entenderam que precisavam um do outro. Não todas as horas, mas sempre que pudessem.

terça-feira, maio 20, 2014

MAIO, II

"(...) Existe apenas um pecado, um só. E esse pecado é roubar. Qualquer outro é simplesmente a variação do roubo. Quando você mata um homem, está roubando uma vida. Está roubando da esposa, o direito de ter um marido, roubando dos filhos um pai. Quando mente, está roubando de alguém o direito de saber a verdade. Quando trapaceia, está roubando o direito à justiça." 

 O CAÇADOR DE PIPAS, KHALED HOSSEINI

ENTRAR NESSE BLOCO

"Nem sempre terminar um relacionamento é cessar o amor. Quem já dividiu o travesseiro alguma vez, sabe que quando a cama fica vazia, o coração pode continuar cheio. As lembranças nos acompanham por meses, quiçá, anos. Temos que enfrentar algumas fases do término: evitar lugares, alterar a rotina, afastar-se de alguns amigos em comum, conhecer novas pessoas e seguir em frente. Não se perde no passado apenas aquela pessoa, ficam-se momentos, sonhos e segredos. Fechar a caixinha de lembranças e abrir-se para uma nova história é um desafio que exige coragem. E eu não posso mais temer as mudanças."



Ao contrário do que dizem por aí, o tempo não é o grande causador das mutações em nossa personalidade. O que somos hoje é fruto de nossas experiências passadas. Refugiar-se em casa e esperar que a vida aconteça não soluciona os problemas aqui de dentro. A gente precisa sair e dar a cara a tapas para lembrar de tudo aquilo que nós deixamos na espera enquanto vivíamos as ilusões de mais uma história de amor. O tempo por si só não faz milagres. É preciso jogar-se nesse carnaval.

Hoje fui pega de surpresa com algumas palavrinhas que eu havia deixado para lá enquanto me recuperava da pequena tempestade que passou em minha vida. Sabe o que é mais engraçado? Quando passa, se vê que era mesmo uma tempestade em copo d’água. E que ninguém morre de decepção, nem de amor. As feridas cicatrizam, e o esquecimento leva todos os machucados e seus motivos.

Me lembraram o quanto é bonito ter consideração por alguém. Consideração. É possível amar alguém sem ter consideração por aquela pessoa? Eu sei que por muitas vezes escrevi sobre respeito e amor, mas quantas vezes eu citei a palavra “consideração”? Nenhuma.

A consideração é o primeiro passo para o respeito. E não existirá amor que suporte uma relação sem essas duas palavrinhas. É preciso preocupar-se com a outra pessoa, saber o quanto ela está satisfeita com as suas atitudes, colocar-se no lugar dela, renovar aqueles votos.

Amar é tentar fazer o seu parceiro feliz. É abrir mão do futebol de quarta-feira, da noite das meninas, daquela reunião de negócios que pode ser adiada... É entender o futebol de quarta-feira, respeitar as amizades que são importantes para o seu companheiro, compreender o esforço da sua carreira profissional. É ouvir os dois lados e, juntos, formar uma só voz.

Me desculpem se estou sendo sentimental. No entanto, quando é que o romantismo saiu de moda? Todo relacionamento precisa de romance. Todo romance exige uma certa atenção. Ninguém está pedindo para que portas de carros sejam abertas e que flores sejam entregues na segunda-feira pela manhã, nós só precisamos de consideração.

Precisamos quebrar esse gelo que anda endurecendo nossos corações e acalmar a alma com um pouco de carinho. Precisamos regar a semente da sedução, da adoração, do gostar. Acordar todos os dias e fazer com que a pessoa amada se recorde porque é que ela aceitou sair com você aquele dia, porque é que ela insistiu em continuar, porque é que ela se apaixonou por você. Não deixar a rotina tomar conta e ter uma rotina mesmo assim.

Ter um relacionamento é enfrentar o desafio de conquistar, todos os dias, a mesma pessoa que você já conquistou há anos. É não deixar que o amor envelheça, nem a relação, nem a conversa. É considerar o sorriso da sua bem-amada a coisa mais importante de sua vida.

É hora de esvaziar os copos e encher o coração. Preencha-se! A vida é um bloco de rua e quem não dança essa marchinha, perde toda a diversão. E, meu amigo, a diversão mais sincera é entregar-se à um amor.

quinta-feira, maio 15, 2014

MAIO - I

"Não é necessário melhorar a aparência, adquirir muita cultura, aumentar o salto do sapato, levantar mais o nariz. Precisamos diminuir o barulho, caminhar mais devagar, prestar atenção em quem chega, abaixar a cabeça e colocar a humildade pra funcionar. Somos grandes, quando somos pequenos."

 ITA PORTUGAL

OS GRITOS DA CIDADE



Todos os dias escutamos os gritos de uma cidade que pede socorro: sirenes, buzinas e os freios dos carros. Mas e o barulho que ninguém escuta? Para onde vão os nossos silêncios quando deixamos de dizer o que sentimos? São os silêncios falantes que mais sufocam. O calar da vontade, do segredo, do amor. Às vezes as palavras escorregam e se perdem pelos cantos. Enquanto por fora elas são apenas silêncio, por dentro são gritos. Os gritos que ninguém escuta.

Nós escondemos as nossas perdas e acho que não há a necessidade de deixarmos à mostra. No entanto, como é que nós vamos conseguir lidar com as perdas que não temos coragem de perder? São tantos segredos que a nossa alma carrega e tantas dores que se perdem em cada músculo, que talvez deixar um pouquinho exposto, aliviaria o peso.

Vivemos pesados, sobrecarregados, cansados. Outro dia escutei “nós não sabemos a hora de parar”, e não sabemos mesmo. Porque não paramos. A vida é uma linha contínua de acontecimentos. Não tem fim. E, em minhas crenças, creio que nem após a morte nós teremos realmente um final. E é por causa dessa continuação irreparável que tudo que precisa ter fim em nossas vidas, tem que ter fim. Porque o que não acaba agora, volta a atormentar lá na frente. Histórias inacabadas, cedo ou tarde, ganham novos parágrafos.

Então toda voz que cala aqui dentro, um dia terá que ser enfrentada. Ai daqueles que tem de enfrentar um grito calado por anos! É como ficar anos sem se olhar no espelho e, de repente, se ver refletido mais velho, com rugas, careca, totalmente diferente da última vez. A voz que cala também cresce, ela aumenta, ela acumula novos dizeres, mais dores, mais sufocos, mais traumas.

Silenciamos por medo, silenciamos a dor, silenciamos a vontade, silenciamos o amor e tudo se torna segredo. Essas feridas nos tiram o sono, nos deixam sentados por horas no sofá pensando em tudo o que deveria ter sido dito e não foi, e agravam a situação. Muitos problemas poderiam ter sido resolvidos com uma conversa. E, mesmo assim, nós nos calamos.

Precisamos trabalhar uma maneira de soltar a voz que trava. Expor o que nos afeta não é fraqueza. É preciso muita coragem para ser franco. A honestidade da franqueza diminui as feridas que não fazem barulho nessa cidade.

É hora de parar de perder a chance de contar à aquelas pessoas o quanto gostamos de estar ao lado delas, como é hora de pedir para que se esforcem um pouco mais e nós possamos permanecer aqui. É hora de colocar para fora o que sentiu quando perdeu aquela oportunidade, de conversar sobre o seu medo, de discutir sobre a sua dúvida. Nós já podemos dispensar o terapeuta. De agora em diante, nós vamos gritar tudinho, ou pelo menos, quase tudo. Hora de encarar o espelho e terminar aquela conversa que ficou pra hoje...