"(...) Você pode até duvidar.
Acho que isso não é amor."
LEGIÃO URBANA
O telefone tocou. Era ele. Estava na cidade e queria vê-la. Sem pensar muito sobre o assunto, ela aceitou o convite. Vestiu seu melhor vestido, escolheu o par de sapatos e, na boca, batom vermelho. Ele atrasou-se dez minutos, ela atrasara vinte. No jantar, ele fora cavalheiro, puxou a cadeira, não economizou na hora de escolher o vinho, conversaram e discutiram suas vidas adultas. Eram eles outra vez. Embora por fora fossem pessoas diferentes, por dentro ainda eram os mesmos olhares jovens de quinze anos. Por certos momentos eu quase enxerguei o brinco de pena e a jaqueta de couro.
Após o jantar, a sobremesa. Ela ainda escolhera torta de limão e ele pedira o mesmo pedaço de bolo de chocolate. Ela tentou resmungar querendo dividir a conta, ele não aceitou. Saíram do restaurante e caminharam pela rua. Mãos dadas. Sorrisos paralelos que se encontravam ininterruptamente. Ele a levou para o hotel e, quando as roupas já se encontravam pelo chão, tiveram a certeza de que o tempo para eles não passou. Repito: Eram eles. Outra vez.
Mas a manhã surgira e o sol batera no rosto de Alícia. Ele tinha que pegar o avião e não pôde ficar para o café, então ela sentou-se à mesa e serviu-se do melhor pão-de-queijo da cidade. Perguntou-se várias vezes, ali sentada, se a noite anterior fora um erro. “Outra vez! Meu Deus! Outra vez!”. Incrédula sobre a sua história com Arthur, decidiu deixar a mesa, pegar a bolsa e ir caminhando até a sua casa. Evitou os táxis. Queria escutar o barulho dos carros e das pessoas sempre atrasadas para o trabalho.
Ele continuou sua rotina de reuniões com os sócios e rivais. Fechou mais um negócio, comprou outra ação, dividiu recursos e sabe-se lá o que mais fez com todo o seu dinheiro. O dia tivera sido perfeito para a economia. Enquanto isso no peito sobrava o vazio. Não era saudade. Não era vontade de vê-la de novo. Era medo de repetir a dose de culpa. Mais uma vez ele a deixara cheia de esperanças.
Ao final do dia o telefone tocou. Era ela. Pensou e não atendeu. Repensou e retornou a ligação. Do outro lado da linha, a voz de quem chorou. A voz dela sufocada. A voz era a voz mais triste que já havia se escutado por ali. “Passa na floricultura, compra-lhe flores azuis e leva até ela”, Alícia suplicou. E ele foi.
Chegou ao cemitério e procurou o nome. Nas lápides escondiam-se segredos e histórias que nunca mais seriam descobertas. Encontrou, sentou-se, deixou as flores e ligou para a Alícia. Era a melhor amiga e Alícia não conseguiu ir ao velório. Fora avisada tarde demais e as cidades eram distantes. Ele ligou, descreveu o túmulo e ela perguntou: “O que está escrito?”, ao que Arthur respondeu doce e delicadamente: “Flores azuis são grandes provas de amor”.
As flores não foram endereçadas a Alícia. Não foram entregues ao seu apartamento com um enorme cartão de mensagens previsíveis. Mas eram flores azuis... E por trás da grande culpa que se guarda em um cemitério, existira um sentimento que se preocupara em passar na floricultura. Ele poderia ter mentido, dito que foi e não foi. E algum dia ela saberia, pois visitaria o lugar e a descrição estaria errada. Mas ele foi. Ah! Ele foi! E dividiu a dor de Alícia esperando que ela cessasse.
E quem é que vai dizer que não era amor? Talvez fosse a maior prova de amor que já fora feita. Não pelas flores, mas por dividir a dor. Às vezes nós não precisamos de palavras confortantes, só necessitamos de alguém que fique do outro lado da linha dividindo o peso de não podermos fazer mais nada. Se Arthur e Alícia terminaram juntos eu não sei, não posso saber, mas sei que naquele momento eles finalmente entenderam que precisavam um do outro. Não todas as horas, mas sempre que pudessem.