"E escrever sobre o quê em uma segunda de manhã? Ah, talvez eu possa discorrer sobre a bagunça. Tudo o que construímos está perdido por aí. Nem as músicas são as mesmas, quem dirá as pessoas! Quem poderia imaginar que o tempo realmente iria passar depressa? As estações são outras, primavera não é mais primavera. O verão é insuportável, ninguém mais vê o outono, e, o inverno... hunff, o inverno atormenta as nossas lembranças."
Ele ainda se senta no mesmo banco da praça quatorze, você sabia? Escuta aquela música esquecida pela tropicália e discorre poemas sobre a velha vida. Ele tem medo. Quando abre os olhos pela manhã, a cama está vazia, a televisão ligada no canal do telejornal e, todas as manhãs, tem a impressão de que a porta está se abrindo. Não está. Ele descobriu o que é a solidão.
Ele pensa durante todas as refeições, que é quando tem descanso para se lembrar, nas mortes que enfrentou naqueles anos. Carrega o peso da culpa como se pudesse ter feito algo para que fosse diferente. Talvez, oh, talvez ele pudesse. Acho que aquelas pessoas morreriam da mesma forma, mas ele poderia ter se doado mais. Poderia ter feito uma ligação durante a noite, ter ido passar os domingos ao lado deles, ter segurado suas mãos enquanto estavam deitados naquela cama imunda de hospital. Ele poderia ter demonstrado como se sentia.
O que anda acontecendo com todos nós? Estamos padecendo do medo de amar. Não queremos que, a multidão de pessoas que nos observam, confunda nossos sentimentos com fraqueza. Rapaz, sendo franco, temos medo de sermos chamados de viados. Quebramos tantas barreiras de preconceitos e, no entanto, nós mesmos nos mutilamos. Não acredito que seja apenas a prevenção para que não nos machuquemos, é receio do que as outras pessoas irão pensar.
Você sabia? Ele pega o ônibus todas as manhãs, dois reais e vinte centavos na passagem, vai até o trabalho sentado naquele assento que está com o estofado rasgado e fica a pensar no que os vizinhos pensariam se ele largasse a faculdade, o emprego sonhado, a namorada tão cheia de graça e inteligência. Se pergunta insistentemente se ele está fazendo o que é certo. Quando o dia chega ao fim, tem a certeza de que fez o que era correto, mas continua descontente. Rapaz, com a sua idade, ninguém deveria manter-se insatisfeito.
Não quis decepcionar as outras pessoas e decepcionou a si mesmo. Rapaz, eu lhe avisei: tudo nessa vida precisa de um equilíbrio. Não decepcione quem amas, mas não decepcione a si. Enquanto aos seus vizinhos, eles são pessoas que pensam saber tudo sobre você, porém não o conhecem. Não dê tanta importância assim.
Ele sabia que precisara ter estado mais com eles. Não precisara seguir a profissão que eles tanto sonharam para o seu caminho, só precisara doar-lhes um pouquinho do seu amor. Um beijo na testa, um eu te amo às vezes, um abraço no natal... eles só desejavam o afeto daquela criança que eles cuidaram com tanta dedicação. Eles eram os seus pais.
Do que adianta a saudade, rapaz? Pai e mãe só vivem uma vez. “Eles morreram”, pensou durante o jantar. “Eu não me despedi”, durante o almoço. “Sonhei com eles, outra vez”, durante o café. O mundo parecia andar ao contrário. Os ponteiros do relógio já não o obedeciam, e, de repente, estaria atrasado para o emprego.
Aquela vidinha chata. Aquela trava de demonstrar o que sentia. O receio de que os amigos descobrissem que ele era sensível. O amor por uma prostituta e o namoro forjado com uma mocinha de família. Essa foi a vida que ele escolheu, você sabia?
Ele nega, diz que escolheram por ele, que ele se perdeu. Ah! As drogas não irão justificar as suas ausências depois que tudo acabou. A vida era sua! “Dane-se o que pensam”, enquanto buscara a sua rota de fuga. No entanto tivera receio do que os vizinhos iriam contar para os seus pais. Vinte e tantos anos nas costas, rapazinho, e a mamãe ainda lhe prende pela barra da saia? Não, não estou debochando. Estou tendo pena.
Pena, eu lhe disse por muitas vezes, é o pior sentimento que podemos sentir pelo outro. Ninguém precisa ter pena de você, ninguém vai lhe amar por pena. Serão poucas as pessoas que irão lhe estender a mão com compaixão quando estiveres caído. Você – rapaz – não causa pena em ninguém. Foram as suas trajetórias em rodovias escuras que lhe trouxeram até aqui.
Jogue fora os seus remédios, desarme as suas barreiras, estude Matemática e não Direito, compre chinelos, trabalhe de bermudas, ande devagar, não pegue ônibus, vá de bicicleta. – Visite o túmulo dos seus pais. Não cometa o erro de amá-los menos do que eles merecem. – Não dê menos amor as pessoas que ainda estão aqui. Ligue. Mande cartas. Não espere por natais que acontecem uma vez por ano, mas passe domingos que ocorrem com mais frequência. Se desligue das pessoas que não irão te levar a algum lugar. Cerque a sua vida de coisas boas. Trabalhe no que lhe der vontade, ame seu trabalho, trabalhe seu amor. – Rapaz, você sabia que eu ainda sento no mesmo banco da praça quatorze?