Chegou correndo e deu a cara na porta fechada, trancada, sete chaves, duas trancas e um cadeado. – Pra quê tudo isso?, se perguntou. Tomou dois passos para trás e fitou as janelas, foi até elas, as tocou, tentou encontrar algo que pudesse abri-las. Nada. Nenhuma brecha, nenhum caminho, nenhuma maneira. – Pra quê tudo isso?, insistiu.
– Ah, para não lhe deixar voltar, moço. Tive que trancar todas as portas e janelas, manter seguro o meu coraçãozinho, fazer minha moradia e, quando possível, prometo ir embora. – Talvez ainda não seja hoje, mas irá me esquecer. Talvez não se dê conta disso, mas você não me ama mais. – Eu percebo na sua ausência o quanto seu amor já não é meu. E ainda na sua ausência, sei o quanto desejo que o meu amor não lhe pertença mais. Então, repito, eu tive que trancar todas as portas e janelas. Manter apertadinho e doce o meu coração, me proteger dos teus erros e ficar quietinha esperando alguém que encontre a chave. Porque eu joguei fora a chave, moço... Está jogada em algum terreno, perto de algumas flores, em baixo de alguma árvore de frutas vermelhas. Onde alguém vai passar pela árvore, ver o fruto caindo, ir correndo até o fruto e achar a chave. Ah, moço, a chave... Eu quis tanto e tanto que você tivesse-a guardado. Mas você não quis e eu não tenho mais forças para cuidar do nosso quase-amor. Eu não tenho mais fé em você, nem sei mais quem você é, por onde andas, com quem andas, como vai ser, o que você quer. Não sei. Você sumiu e eu não tenho mais vontade de lhe procurar. Você foi dando pequenos passos e andou quilômetros longe. Hoje eu tô aqui, sempre sentada, sempre de canetas em mãos, mas sempre cansada. Cansada desses mimimis de nós dois, cansada dessa história que a gente fez, cansada desse “nunca vai poder ser”. Eu não quero mais, moço. Não quero mais brincar com isso. Nem continuar tentando, nem fazer de conta que um dia vai, nem ser sua. Nada. Eu não quero mais nada de você, moço. E embora o peito ainda dê algumas pitadinhas de dores cruéis, eu coloco mais sal na comida, encho um copo d’água e sobrevivo. Sem drama. Moço, quando ficou todo aquele tempo longe de mim, a única coisa que me ensinou foi: – eu posso viver sem ele. Eu posso sorrir mais sem ele, eu posso viver mais sem ele, eu posso dar de costas para os lamentos e jogar na sorte um outro alguém. Eu posso me doar por aí, eu posso amar outros lugares, eu posso escrever sem vontade e sem motivo. Eu posso, dane-se o resto, eu posso. – Se eu quero? – Ah, moço. Querer estar longe, eu ainda não quero não... Mas eu devo querer. Então, repito, tive que trancar todas as portas e janelas, jogar a chave fora, tapar os ouvidos, e esperar que a fruta caia, alguém encontre o segredo e venha correndo. Porque eu posso, moço. Eu aprendi o silêncio da casa que protege e a segurança do deixar pra lá.
– Pra quê tudo isso?
Ah, porque “os poucos” sempre foram teus.
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