"Nossa vida está organizada de acordo com a nossa casa. Minha vida anda bem, desde que não abram as gavetas."
Junho de 2012, São Paulo/SP.
Querida Clarissa,
vários acontecimentos marcaram minha vida após a sua partida. Sei que tenho grande culpa por seus passos percorrerem outro caminho neste momento, caminho paralelo ao meu trajeto. Porém, de algo eu sei que não tenho culpa. Não posso sentir-me culpado por ainda lhe amar. – Gostaria de dividir minha vida com você novamente e sei que isto seria impossível, então resolvi escrever esta carta.
Ontem recebi um dia de folga no trabalho. Poderia ter saído, encontrado novas pessoas, distrair a cabeça... Mas, assim como acontece em minha vida há meses, permaneci em casa. Resolvi limpar a casa que estava uma bagunça. E, durante a arrumação lembrei-me da vez em que tu me disseste que a nossa vida está organizada de acordo com a nossa casa. Analisei a situação e percebi que isto é verdade. Quando minha vida está bem, tenho vontade de deixar tudo no lugar por aqui. Mas, quando as coisas vão mal, minha casa tem que representar o lixo que os dias andam sendo. – Porém, no momento, a casa está arrumada, desde que não se abram as gavetas. Deve ser isto: minha vida está organizada por fora, mas por dentro... Por dentro a bagunça espera a hora de ser lembrada. Você sabe. Eu necessito de um tempo só meu para conseguir coragem de mexer na minha bagunça.
Bem, as coisas mudaram por aqui. O Pedro está namorando e, antes que você se engane, não está namorando a Débora. Conheceu uma menina e se apaixonou. A menina é linda, se chama Alice e é formada em Artes Plásticas. Sempre que posso vou até a casa de Pedro trocar uma ideia com ela. A garotinha leva jeito pra vida, tem olhos fixados no futuro e seus desenhos representam a vida de uma maneira que, pessoas como nós sabemos que é vida, mas outras pessoas entenderiam apenas como um simples desenho.
João se tornará pai daqui um mês. No começo, achei essa história esquisita, confesso. Mas hoje penso que toda criança é uma benção e deixo que Deus abençoe o que virá.
Andei me aproximando mais de Deus. É claro, nada de igreja todo final de semana. Mas dediquei alguns minutos dos finais de meus dias para agradecer a continuação. Antes eu acreditara que nós tínhamos que agradecer as coisas boas, hoje eu entendo que nós devemos agradecer pela capacidade de permanecer firme, de desejar continuar, de – mesmo que doa – poder esperar que as coisas melhorem para nós. E acho que era isso que você tentara me dizer e eu, sem muita paciência, não prestara atenção.
Andei deixando muitos amigos para trás. Talvez porque não fossem meus amigos ou eu não fosse amigo deles. Comecei a colocar nos dedos quem poderia me por para frente e quem poderia me deixar para baixo. Resolvi cortar os dois. Amigos tem que estar do lado, nem atrás nem na frente, mas caminhar ao lado.
Há pessoas que estão ao nosso redor, mas nos causam inveja. Não dá pra ser amigo de alguém assim. Amigos tem que nos despertar o desejo de querer o melhor para o próximo, não de querermos ser melhores que eles. Talvez você ache naturalista demais este pensamento, mas vai notar que bons amigos não nos fazem sentir sentimentos ruins como inveja, soberba, tristeza ou rancor.
Algumas músicas e livros eu também excluí de meus dias. Parei de procurar por aquilo que me trouxera inteligência e comecei a procurar aquilo que poderia me trazer sabedoria. Sabedoria tem a ver com preenchimento de alma. Então, hoje, procuro ler e escutar aquilo que me causa satisfação. É preciso que algo realmente me toque para que me desperte. É preciso que algo me traga novas visões, mas é preciso principalmente que aperfeiçoe aquilo que já é meu.
Descobri novos lugares nesta mesma cidade. Nada de bares, boates ou afins. Fui atrás de natureza. Encontrei paisagens lindas e resolvi comprar uma câmera digital. Muitas vezes, tirei fotos pensando em como você gostaria de vê-las, Clarissa. Mas hoje tiro fotos imaginando como eu não gostaria de esquecer que estive ali.
Ando muito eu, eu com eu mesmo. E eu tenho parado para escutar um pouco da vida. Acho que é isto que eu sempre precisei. Parar. Entender o que a vida tem para me dar e, sobretudo, entender o que eu tenho que ganhar dela. Mas ganhar com esforço, você sabe. Você me entende, Clarissa. Você entende que eu compreendi o valor das coisas e dos dias. Você entende...
Clarissa, lhe escrevo em breve. Saiba que eu sinto falta daquelas noites em que ficávamos deitados na cama conversando sobre o que poderia ser e o que deveríamos fazer para ser. – Cuide-se.
Com amor,
Danillo.
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