Anota:
O amor é o agradecimento.
Querido amigo,
que ainda sofro a falta dela é fato de pura verdade e sem exageros. Perder o amor é como perder a vida. A saudade é o ponto final do amor. Somente quando o amor não pode mais ser vivido é que a saudade entra em cena. A única contradição é que a saudade nunca é um ponto final, é sempre uma reticência.
Eu entendo que aquele que nos criou quer de nós poucas coisas. A continuidade do amor é uma delas. Continuar o amor é terminar as mágoas, é correr o risco, é não apagar a simpatia pela vida. Ainda que o término tenha sido doloroso, é de caráter bom aquele que consegue deixar o bem-estar do amor prevalecer. O amor exige que o fim não celebre o ódio e a amargura.
Catarina me deixou faz tanto tempo que tenho que lhe confessar algo: hoje, não posso mais vê-la em minha vida. É como se não houvesse mais espaço para ela, não porque não a amo mais, mas porque a continuação após sua morte me trouxe benefícios. É claro que eu gostaria que ela pudesse ver o que me tornei, pois tenho a certeza de que iria se orgulhar do homem que sou. No entanto, sei que muito do meu processo de transformação é devido a sua partida.
Não que a sua ida não tenha me causado dor. Pelo contrário, a maior tristeza de minha vida foi perder minha bem amada. Mas a superação, a persistência em prosseguir e a maturidade como consequência, foi-me um presente. Um homem sabe o quanto é bonito estar vivo após um naufrágio. Eu, que sempre duvidei do destino, às vezes acredito que era o meu destino passar por tudo que passei.
É então que entendo o amor não como a parte física, e, sim, como a parte espiritual. A parte que fica, mesmo que tudo se vá. A parte que persiste mesmo que não haja motivos. A parte inacabável que já teve um fim. O sentimento mais poderoso que um homem pode possuir. Algo que, muitas vezes, é assustador. E, sobretudo, tem beleza inigualável. O amor é para sempre.
E o “sempre” é tão perigoso! Mas veja bem, – tu –, meu amigo, consegues ver a tua vida sem os amores que amou? Sei bem que já tiveste umas três ou quatro namoradas... Consegues te imaginar sem elas? É que mesmo que não tenham sido amor, aquele amor, elas fizeram parte de ti. Elas levam um cantinho do teu coração. Elas lhe construíram e lapidaram. Foi o amor delas que fez cada partezinha do seu corpo, do seu mundo, da sua história. Porque é o amor que nos faz. – E ainda que não façam mais parte do teu cotidiano, elas fazem parte do teu amor.
Por isso é que é impossível deixar de amar. O “desamor” não existe. O tempo se vai, a vida se altera, nós nos tornamos outras pessoas, mas aquele amor é para sempre. Ele vive naquele pedaço da nossa história que nós deixamos para trás. É presente na saudade do tempo em que éramos jovens e sem preocupações. É eterno. É lembrado nos reencontros e suspiros da lembrança. Não acaba; porque se acaba, não era amor.
Amor, qualquer tipo de amor. É para sempre. O amor de minha falecida mãe, de meu falecido pai, de minha falecida nora, de meus filhos, de meus netos e, o amor de minha vida, minha eterna Catarina. Não possui fim. Faz parte da trajetória do meu ser. Ocupa as arestas do meu coração. E me enche de saudades.
É... Catarina... sim, Catarina. Que tantos nomes já levou! Que está presente nas mais doces palavras de minha literatura. Que me escuta em seu silêncio eterno e que tem de mim o que ninguém mais terá: aquele tempo de amor. Amor ingênuo e juvenil, bonito, cheio de fé, que me garantiu inúmeros parágrafos de versos coloridos e que me trouxe o perfume das flores com olhos cheios d’água. É Catarina de Chico, dos velhos tempos, da velha guarda, daquela bossa nova. É Catarina, de Chico, de amor.
Ah! Meu velho amigo! Já paraste para pensar quantas histórias o amor já criou? Inúmeras, meu caro. Inúmeras! Histórias lindas, algumas de certa tristeza, mas todas com o mesmo objetivo: enviar amor.
Enviar amor é tão generoso. Os poetas, músicos, compositores, cantores, atores e todos aqueles envolvidos nesta arte de interpretar, sabem bem o que é enviar amor.
Enviar amor na música, na palavra, na melodia, num olhar. Sabia que há pessoas que se alimentam disso? Desse amor que é enviado? É sim, meu amigo. Certa vez, conheci uma senhora, em um hospital, que se alimentara do amor que era enviado à ela por meio das histórias que lera. Não teve filhos, nem marido, poucos amigos, mais muito amor. Amor nas linhas daquelas palavras. Amor forte e esperançoso.
Também há aqueles que se alimentam do amor da fé, do criador, da vida. E aqueles que se alimentam do amor enamorado de poder ter alguém com quem compartilhar os domingos. Benditos sejam aqueles que podem ter com quem dividir a cama nos dias chuvosos. Pois bem sabemos o quão é difícil nos aquecermos com o cobertor e não com o calor da pessoa amada.
E, finalmente, o amor é o agradecimento. Sou profundamente grato por todo o amor que Catarina me enviou e por todo o amor que ela permitiu que eu a enviasse. A gratidão é fundamental diante do amor. Só podemos amar aqueles que nós podemos agradecer algo. Eu agradeço Catarina por toda a minha vida. E agradeço também aos meus pais, filhos e amigos.
Agradeço a você, meu amigo, por me deixar enviar amor diante dessas correspondências. Agradeço por sua amizade. E agradeço pelo seu amor. Obrigado. Obrigado por ocupar uma aresta de meu coração.
Peço apenas que você possa agradecer a todos que preenchem o vosso coração de maneira singela e ainda bonita. E que toda esta gratidão se torne o objetivo de todo o processo: a paz. Porque amor, meu amigo, é sentir-se em paz.
Com muito amor,
Chico.