Todos os dias suplicamos para que Deus nos livre de todo o mal. Eu diria que essa é uma via de mão dupla: Ele vem de lá, nós vamos de cá. – Já parou para pensar que, de algum modo, podemos estar semeando o mal dentro de nós?
A limpeza deve ser feita de dentro para fora. Precisamos aprender a agradecer mais e a reclamar menos. Pois o poder de Deus não se revela em uma vida sem adversidades, mas se descobre em uma vida que as supera.
Espero que nós possamos esquecer os defeitos das outras pessoas e possamos olhar com carinho uns para os outros. Porque, para que as nossas preces funcionem, e o males sejam evitados, é necessário semear o amor. Amar é sempre uma resposta.
Com o canto do olho, verifiquei o horário, e me questionei se era a hora de me retirar. Não contei quantas vezes o fiz, mas tenho certeza que, em muitas ocasiões da vida, tive que me perguntar se aquele era o momento de partir. – É que a grande questão é identificar quando devemos ir embora.
“Esse coraçãozinho está cansado”, disse a menina sentada ao meu lado. Sorri timidamente, porque bem ali, próxima a mim, estava uma criança tremendamente esperta. Ela sabia os limites do seu coração e eu, tantos anos mais madura, ainda não havia aprendido os meus.
No silêncio que seguiu pensei que aquele tivera sido o alerta que recebi. – O meu coração estava cansado. – Quis acreditar que o cansaço partia do fato de que eu me cobro exageradamente e que a minha rigidez comigo mesma me levaria a completa insanidade. Ah! Eu quis acreditar...
Fechei os olhos e apertei as pálpebras até expulsar todos aqueles sentimentos. “Não tem a ver com aprender os meus limites”, concluí. Acho que estava cansada dos limites de um modo em geral.
Trata-se de um padrão de comportamento. Uma forma correta de se expressar, o jeito ideal para arrumar o cabelo, a postura ereta, a adequada maneira de se aproximar de alguém, as fronteiras dos bons modos e, até mesmo, as regras a serem seguidas para conquistar um coração. – Ora! A única coisa que deveria importar é o que somos por dentro, não é?
Eu estava cansada de uma sociedade inteira e de todas as suas eloquentes normas. “É um mundo doente”, pensei. E quantas pessoas falharam quando, assim como eu, tentaram encontrar a cura para a maldade que o habita?
Não culparia Deus se Ele tivesse esquecido de nós. É que fomos agraciados com um extenso planeta abarrotado de lindas paisagens, bons alimentos e pequenos milagres, mas, os homens dotados de uma cruel soberba, ignoraram as coisas mais bonitas do mundo e engrandeceram a disputa pelo poder.
Levantei da cadeira, que não estava mais tão confortável como antes, e fui até o balcão buscar um café. “Preciso tomar menos café”, adverti a mim mesma e logo percebi que estava perdendo a lucidez. Porque, novamente, eu estava solitária em meus pensamentos enquanto, lá fora, um mundo inteiro acontecia.
Foi quando escutei um grito forte e pressionei os meus lábios para não gritar conjuntamente. Mas sorri quase que sarcasticamente. Porque não era necessário pressionar os lábios. Eu nunca gritaria... Passei uma vida inteira aprendendo a calar os meus gritos de socorro. E esse era mais um limite do qual eu estava cansada.
Não demorou muito para que a minha mãe se aproximasse, colocasse a mão em meu ombro e dissesse que achava que a hora tivesse chego. Eu concordei com a cabeça, mas confesso que não sabia ao certo com o quê estava concordando.
Então o choro de uma criança ecoou pelos corredores. Era como se um milagre tivesse calhado pelas paredes. De longe, escutei alguém afirmar baixinho: “acho que o Pedro chegou”. E o meu coração respirou aquecido.
Tive a impressão de que, os minutos mais demorados da minha vida, se sucederam no período entre escutar a sua chegada e sermos chamados ao berçário. Fui contando cada passo que dei até olhar pela janela e ver a face do maior, e mais bonito, momento de uma pessoa: – o encontro com um anjo.
Eu acredito em anjos. Crianças são anjos! Pessoas são anjos! Eu acredito que, como Deus não está no mesmo plano que nós e, portanto, Ele não pode comunicar-se diretamente, Ele conversa conosco através das pessoas ao nosso redor. É por isso que devemos aprender a escutar...
Continuei em silêncio contemplando a criança no berçário. “Não sei como segurá-lo em meu colo”, pensei. E sorri, mas agora não era mais um sorriso tímido. Era uma gargalhada silenciosa de quem sorrira com os olhos, de quem estava lindamente emocionada.
Receio que pareça insensatez, no entanto, naquela noite eu mudei de mundo. Acho que estava presa em um mundo onde eu era obrigada a construir muros e, a chegada do Pedro, me levou até um mundo onde aprendi a construir pontes. (Aqui, me desculpe se fui repetitiva).
Vocês perceberam? Permaneci sentada durante horas, na sala de espera, desgostosa com a vida. E foi só olhá-lo por alguns segundos que todos os meus medos sumiram... É incrível como amar alguém nos desperta coragem!
Alguns segundos foram o suficiente para que eu me sentisse capaz de ultrapassar todos os limites. Porque, naquele momento, prometi uma trajetória diferente para nós.
"A vida que eu desejo para aquele menininho é especial", pensei. "Quero que ele conheça todas as coisas bonitas que são ignoradas pelas pessoas, em sua maioria. E quero que ele seja forte o suficiente para gritar todos os seus medos", finalizei.
Porque estarei ao lado dele para escutá-lo. É que nitidamente aquele pequenininho ser, que media poucos centímetros, transformou tudo aquilo o que eu sentia. E eu o amei instantaneamente.
Após respirar fundo, como quem estava finalmente pronta para viver, eu quebrei o silêncio e disse: "Bem-vindo ao mundo que eu farei para você, meu sobrinho. A titia estará sempre em Deus por você".
Olhei para os lados e notei uma família feliz, uma família que era minha. Soube naquele instante qual era o momento de ir embora: – quando todos estivessem bem. E eles finalmente estavam.
Após respirar fundo, como quem estava finalmente pronta para viver, eu quebrei o silêncio e disse: "Bem-vindo ao mundo que eu farei para você, meu sobrinho. A titia estará sempre em Deus por você".
Olhei para os lados e notei uma família feliz, uma família que era minha. Soube naquele instante qual era o momento de ir embora: – quando todos estivessem bem. E eles finalmente estavam.