Respeite o tempo. Possivelmente eu mudei de opinião.

segunda-feira, outubro 24, 2011

OS GRITOS DE UMA VIDA


“Amor” é uma palavra tão incerta que fico atordoada todas as vezes que tento dar significados à ela. Não há um significado certo para o amor e tenho que me convencer disso. Não há amores iguais, cada um ama da sua maneira. Então definir uma coisa tão efêmera é como colocar fim naquilo que se renova.
Eu talvez procurasse muitos significados para o amor. Não. Talvez não. Eu procurara muitos significados para o amor. É que quando estamos solitários ou quando sofremos, achamos que o amor é algo matemático. Como se houvesse um motivo para tudo o que acontece. Como se os erros passados fossem óbvios e como se logo eu encontraria alguém que fosse da mesma matéria que a minha. Às vezes, estudei o amor como se estudasse Física.
Mas a vida é uma caixinha de surpresas que, por mais que eu viva a escrevendo, ela continua a me surpreender. Ela joga pequenos pedaços de cores em meu retrato preto e branco e faz de mim uma estátua com rachaduras. Quebro-me ao meio todas as vezes que dou de cara com a vida e ela me apresenta realidades fortes sobre o amor: “Se quer motivos para amar, não ame.”.
Se quer motivos para amar, não ame, – , foi o que a vida me disse quando encontrei o homem que seria o homem da minha vida. Minha história é um pouco triste, dramaturga, faz papel convicto aos choros de teatros e longametragens. – Talvez vocês não saibam, mas vocês não me conhecem. (...)

Eu tinha quinze anos quando uma louca paixão invadiu meu peito. Paixão daquelas bem ardentes. Aquelas que tiram nossos pés do chão e nos fazem gritar de desejo. Gritar literalmente, na cama, no carro, na piscina e nos lugares mais improváveis onde se pode colocar esta paixão para fora. Porque sim. Paixão é sexo. Sexo puro, longo, desregrado e ardente. Sexo que faz a gente ficar dias sem comer. Ou sexo que faz a gente ficar lembrando, por vários dias, aquelas coisinhas nojentas que acontecem na hora. – É! – Sexo é paixão.
Acontece que quando estamos apaixonados e terrivelmente encantados por essa paixão, nós a confundimos com amor. E isso acontece por mais vezes com as mulheres. Ou com as meninas. É que não acredito que as mulheres cresçam. Mulher é um termo forte. Mulher tem que passar batom vermelho e vestir salto alto todos os dias, sair gritando com o mecânico e ser uma perfeita profissional feminista. Mas toda mulher é menina. Porque a gente finge, mas aqui dentro é cheio de solidão. A gente implora por carinho, atenção e proteção, enquanto rejeitamos a ligação do bonitão do quarto andar que só quer sexo. É que a mulher é dependente do amor. Até aquelas mais saidinhas que conquistaram a independência sexual e se dizem totalmente despreocupadas com as morais da sociedade, até elas, imploram por amor. – Porque o amor move o mundo. – E até os homens, mil vezes mais orgulhosos, charmosos , fortes e solitários, querem amor. Eles se fazem de Don Juan, enganam as mais bobas, passam uma noite com uma e outra com outra, mas é por amor que eles esperam também.
Então, aos quinze, eu esperara por amor. E qualquer palpitação que o coração sofrera, eu arriscara pensar que era o bendito chegando. E foi numa dessas, que meu coração estremeceu feito um sismo, e eu me apaixonei. Achei que fosse amor, não era. Me entreguei. Me entreguei cegamente do jeito que a paixão pede. Abri as pernas, tocou meu corpo inteiro, gritei como louca, – me apaixonei. Mas engravidei.
Sentia-me uma mulher todas as vezes que ele me tocara, mas me senti uma menina quando ele deixou uma pequena sementinha dentro de mim. E meninas são sensíveis, tolas, amedrontadas, cheias de dúvidas, incertezas e meias-verdades. Meninas nunca abandonam a luz acesa do corredor.
Uma criança era uma maneira meio rápida de me tornar mulher. Ou, mais sensato dizer, pôr a parte mulher para fora e guardar a menininha chata dentro de mim. – Foi o que fiz. – Enfrentei a família, o padre, os professores e colegas de sala de aula, a vizinha fofoqueira... Decidi ter aquela criança. Fui fundo na minha decisão e não dei o braço a torcer nem quando, nem quando, nem quando... Quando enfrentei o abandono dele. Por mais que não fosse amor, mulheres que são meninas, grávidas, precisam da proteção dos papais de primeira viagem. Mas ele se foi. Teve medo, não quis, pediu que eu abortasse, não o culpo. É bem nessas horas que as mulheres-meninas se mostram mais fortes e decididas que os homens. É nessas horas que a gente mostra que nossas caras são feito de pedra e pode vir o super-homem, bater, esmurrar, jogar o raio laser dele que, a gente não quebra.
Oito meses e algumas semanas com aquela pequena sementinha irritante dentro de mim. Enjôos, chutes na barriga, barriga virando um globo, espinhas, vontade de ir todas as horas ao banheiro, acordar no meio da noite para ir ao banheiro, sentir a pestinha se remexer dentro de mim, pedir pelo Amor de Deus que a tirasse logo dali. E, o parto, cansativo, dolorido, outra vez em que gritei loucamente por ela, só que dessa vez ao invés de entrar, ela saiu. E nasceu linda,gordinha, chorando, e eu detestara choro de bebê. Mas a amara. Amara ela como minha mãe me amou. Sentia ternura naqueles olhinhos de boneca e encanto em suas miniaturas de mãos.
Eu descobrira que o amor era aquilo: sacrificar-se. Tomar uma decisão e lutar contra o mundo para que aquela sementinha frágil que é o amor, semeie e dê frutos. Quando minha filha nasceu, eu soube entender o que era amor.
Mas, em poucos dias, tiraram isso de mim. A notícia veio cedo. Acordei, escutei uma confusão no corredor do hospital, um vai e vem de enfermeiros, e eu soube. Mãe sente. Mulher e seu sexto-sentido sente. – Era ela. – Aconteceu algo com ela.
O Doutor Fausto foi quem teve a coragem de me dar a notícia. E ouvir meus gritos de desespero e dor. Como? Como poderia? Como alguém poderia fazer aquilo com ela e comigo?
– "Nós estamos fazendo tudo o que é possível. Isso nunca havia acontecido antes..."
Ah, Doutor Fausto! Eu não me preocupara com os culpados. Eu só quisera minha filha. “O Senhor tem certeza de que o bebê que roubaram é o meu?”. Poderia ser de outra pessoa. “Eu posso ir lá no berçário ver?”. Talvez eles tivessem se enganado. Talvez eu pudesse pegar qualquer outro bebê e fazer de conta que era o meu. Bebês são todos iguais mesmo. Não iria fazer diferença... Engano. Nenhum daqueles bebês tinham os olhos ternos da minha Maria Lizzie. Nenhum tinha aquele choro irritante. E nenhum poderia preencher mais um vazio que se criara em meu peito.
Meu leite secara. A polícia me visitara com freqüência e, depois das minhas tias, que ficavam fofocando sobre a vida alheia com minha madrasta, era a única visita que eu recebera. Me aproximei de Deus, como se fosse um porto onde eu pudesse me esconder. Rezara todos os dias para que Maria Lizzie voltasse. Aprendi a bordar e bordei “Mariazinha” em sete toalhas de banho. Chorei. Perdi noites de sono. Quis roubar as crianças que eu encontrara nos carrinhos de supermercado esperando a “mamãe” (como a maioria chamara suas mães), mas nunca tive sangue frio. Olhara os moleques jogando bola na rua. E passara a freqüentar as aulas de ballet que a Senhorita Margarida dara para as menininhas ricas. Imaginara como Lizzie ficaria linda de cabelinho preso, saia rodada e sapatilhas rosa-bebê.
Vivi uma grande nostalgia, mas tive que seguir em frente. Seguir em frente é a grande lógica da vida. Qual eu tive que me habituar e dar passinhos pequenos e incertos, para poder andar alguns metros. Andei vários metros. Terminei a escola, fiz faculdade, tornei-me professora e vasculhara todos os orfanatos do estado atrás de alguma pista. Nada.
Cheguei a ir atrás do pai de Maria, que ficou triste e se sentiu culpado por tudo, que até tentou, e suspeito que, tentou muito encontrá-la. Mas assim como eu, sentiu-se fraco todas as vezes que o sol ia embora, e percebeu que as procuras eram em vão.
Aos vinte e oito anos, desistindo daquela vida, decidi mudar de estado. Encontrei um emprego e uma casinha no interior de um dos estados mais populosos do país. A cidadezinha do interior era tranqüila, bonita, cheiro de ar puro. Imaginei que Maria Lizzie iria gostar de crescer ali.
Alguns meses se passaram. E, um dia, assistindo a uma peça de teatro da escola do outro bairro. Esbarrei no pai de uma das alunas, peguei sem querer em sua mão, olhei seus olhos para me desculpar, e como nos filmes, me apaixonei.
Novos gritos de paixão. Nova vida. Sonhei em ter uma nova Maria Lizzie com Frederico. Sonhei em casar-me, dar-me à ele, esquecer todas as dores como se pudesse apagá-las com borracha. E viver uma vidinha doce, cheia de invernos, outonos, primaveras e alguns verões, ao lado do homem que seria o homem da minha vida.
Mas eu não soubera contar sobre o meu passado à ele. Algumas vezes, Frederico cobrou-me saber sobre minha vida, disse que eu era um mistério, e eu gostara daquele ar secreto que eu houvera deixado. Mas nunca soube abrir meu coração. Não que não o amasse. Eu só, embora meu jeito eufórico não aparente, nunca soube abrir feridas. Aprendi a desenhar palavras, mas falar sobre minha vida nunca foi-me fácil. A única coisa que contei sobre meus martírios, foi a morte de minha mãe, qual ainda menti algumas coisas à ele.
Muitas noites fui dormir pedindo à Deus que Frederico pudesse perdoar minhas mentiras. Ele teria que entender que quem escreve, vive fantasias, e a gente tem mesmo essa tendência de fantasiar que nossa vida é um sonho de felicidades e recomeços. Mas a verdade é fria, tão fria que, não cabe aos textos.
Mas se a vida é uma caixa de surpresas e ela deixa-me boquiaberta em todos os momentos em que ela se abre, toca a música e a bailarina dança. Se a vida é isso, ela não poderia tardar e trazer Maria aos meus braços, outra vez.
O homem que roubou meu bebê, era o homem que seria o homem de minha vida. A esposa morreu, e a filha que a mulher havia roubado do hospital para esconder a perda da outra criança, era a filha que cuidadosamente Frederico criara. Criara e soubera da notícia, pois foi cúmplice. O marido mais louco que a esposa, concordou em roubar um bebê, depois de muitas tentativas e perdas de seus filhos. – Fiquei imaginando quão é difícil ter uma sementinha na barriga, e ela não semear e dar frutos. Daí ter outra, e outra, e outra. E ver a cara do marido todas as vezes que iria buscá-la no hospital quando recebera alta da internação por aborto, por perda.
Mesmo me comovendo com as explicações e pedidos de desculpas, não era fácil perdoá-lo. Foram treze anos roubados de minha vida. Eu nunca soube o que era trocar fraldas, acordar com choro de criança, ensinar a andar, vê-la engatinhar feito um cachorrinho, deixá-la e buscá-la na escola, preparar as refeições, pentear os cabelos, amarrar os cadarços, ler uma história antes de dormir, receber o boletim com notas vermelhas, dar bronca porque não escovou os dentes... Nunca soube o que era aquilo que sempre me despertou saudades.
E, no entanto, eu amara o homem que me roubara aquilo. Eu amara o homem que me fizera sofrer. Como pode? Como é possível, depois de tanta dor, eu ainda amá-lo? Como é possível meu corpo desejá-lo? Como é que meus braços procuram conforto nos laços que os braços criam dentro dos abraços que ele me dá... O amor é tão cheio de contradições que, amar torna-se um fardo difícil de se carregar, e então a gente complica. A gente faz nós em laços e deixa de abrir os presentes. A gente esquece quanta gente já sofreu e não teve a oportunidade de amar como amamos. A gente fica achando que vai achar uma pessoa especial em qualquer esquina. E ficamos nos enchendo de orgulho, achando que ser forte, é fazer a outra pessoa sofrer e pagar por todos os erros... Engano. Ser forte é olhar o perdão como a forma mais bonita, é dar-se ao amor depois de tudo, é rejeitar a dor e o medo e viver uma nova vida.
Foi difícil, eu confesso. No começo eu achara que não iria conseguir. Eu tinha a idéia feita que amá-lo era errado. Achara que ele era uma pessoa ruim, e esquecera de todas as coisas boas que havia feito por mim. Porque a gente esquece das coisas boas, e lembra facilmente das coisas ruins. A gente esquece que as pessoas não são boas ou ruins, que elas têm atitudes, às vezes certas, às vezes erradas, e que perdoar é dever do humano e misericórdia de Deus. Se nós não podemos perdoar o erro do próximo, como perdoar os nossos erros?
Então, perdoar quem amamos tem que ser fácil. É o caminho para uma vida cheia de doçuras. É quase um “sim, eu aceito” na frente do Padre. É ainda mais que um compromisso, perdoar é amar verdadeiramente. E amar é segurar as mãos, sentir paixão, fazer muito sexo, ter filhos, criar e cuidar dos mesmos, dividir verdades, aceitar mentiras, respeitar os rejeitos, confiar na dúvida e sacrificar a novela por uma noite de amor... Várias noites. Com a mesma pessoa, aquela mesma pessoa que, lhe traz algo que completa os vazios e abismos que a vida nos dá.

Amar é amar. Então, ame! Grite.

Amar é o maior milagre que aconteceu em minha vida. Espero que Frederico saiba o milagre que ele é dentro de mim. Porque o amo, com ou sem pseudonomes, eu o amo com a minha vida. E para sempre.

Um comentário:

Harry Mattei disse...

Duas gotas umedeceram meu teclado qndo terminei de ler seu texto. Mas não sei dizer de onde elas vieram. Prefiro pensar que seja suor.