Sentado na mesma cadeira da mesma sala, da mesma casa, que ainda fica no mesmo endereço da mesma cidade e tem os mesmos vizinhos, ele imagina os momentos bons que deixou de passar ao lado dela. Fecha os olhos e traz a lembrança do seu olhar, do sorriso e de como era irritante a maneira com que ela tentava lhe fazer ciúmes. Lembra do quanto era boba e, ao mesmo tempo, linda. E sorri das brincadeiras e dos planos que ela fazia por eles dois. Imagina se o destino os reserva reencontros e sabe que por ela isso não aconteceria. Tem raiva de si mesmo porque entende que a culpa da separação é dele. E sente-se triste por ter perdido o amor daquela moça.
Era a história de amor triste que todos os escritores tem em seu currículo. Era a música sem beleza que representava o mais verdadeiro sentimento: a solidão. Sim. Porque estar só é sentir-se só e, assim, a solidão não poderia deixar de estar na lista daquilo que sentimos. É um quase-sentimento que vira estado físico. No começo, existem muitas pessoas ao nosso lado, tentando fazer com que possamos distrair a mente, mas nos sentimos sozinhos. E, no fim, nós nos afastamos e as pessoas desistem de nós, então finalmente estamos sós. Encontramos a liberdade que sempre sonhamos. Não devemos nada à ninguém, mas não temos mais ninguém ao nosso lado. – E quando paramos para achar o motivo de tanta dor, a culpa nos invade e nos faz recordar os caminhos solitários que trilhamos.
A história dele é tão errada quanto a sua. Pois ninguém passa por essa vida sem errar, sem sentir culpa e sem sentir pena. Pena de si próprio, por seus próprios erros, por suas próprias escolhas e por seu próprio coração vazio.
Ele é – agora – homem que acende o cigarro todas as noites ao chegar do trabalho. É quem desliga a televisão e abre um livro. Quem faz sua própria janta, come do seu próprio alimento e vai ao supermercado todos os primeiros sábados do mês. Quem paga suas contas, tem seu próprio carro e pode gastar seu dinheiro onde lhe apetecer jogá-lo fora. Ele é o homem que [imagina] as crianças correndo pela casa, a esposa no fogão e o cheirinho de bolo de chocolate vindo do formo. Faz propagações tão reais do amor que não construiu que quase parece verdade. Ele é o homem que tem vida, mas parece não viver. Quem desperdiçou a chance de amar.
Tenta, todos os dias, reconstruir sua vida, mas sabe que dentro dele o passado não terminou. Uns dos maiores perigos ao ser humano solitário são as histórias inacabadas. Estas histórias invadem nossos sonhos e tornam-se pesadelos. Estão presentes em todo maldito pensamento antes do sono e nos fazem revirar a cama como se trocar de lado fosse pausar a mente. Tira-nos o sono e nos faz baixar a cabeça e engolir seco todas as vezes que alguém toca em determinado assunto e temos que mentir. É uma falta de fé de que tudo irá se resolver e é uma certeza de que se o tempo voltasse, teríamos feito tudo diferente.
Histórias sem pontos finais deixam restos. O que sobra é o sentimento de culpa. Enquanto ele se culpa por tê-la deixado ir, ela se culpa por um dia tê-lo deixado entrar. Cada um com seus erros e sempre a mesma dor. A dor que afeta e não passa, que se prolonga nos Natais vazios e torna-se pedido em virada-de-ano. A dor do amor que deixou de ser.
Ele não tem mais notícias sobre ela, e ela faz questão de ignorar qualquer contato. Ela refez o armário e limpou a bagunça, mas quando fecha os olhos a imagem do rosto do ex-amado a assombra. Ela cruza os braços na tentativa de estancar a dor no peito, ele respira fundo e segue em frente. E sempre que é inevitável, apertam o botão, e a música toca. Qualquer música que os tire dali.
Ela não faz idéia de quantas vezes ele foi fraco e leu suas cartas. Ele nunca saberá quantas vezes ela foi fraca e derramou lágrimas sobre as fotografias. No entanto, ele sempre será mais triste que ela. É uma regra: Quem abandona um amor não pode ser feliz.
Não é imediato que nos damos conta do que fizemos. Nós notamos nossas atitudes vãs quando a vida começa a nos castigar. Porque a vida é o espelho que nós temos na parede, ela reflete. Com a diferença de que o reflexo das coisas feias ela costuma prolongar. Enquanto as pessoas acreditam que o tempo cura feridas, os solitários sabem que o tempo só serve para fazer com que aqueles que devem à vida, possam pagá-la com juros.
Pagar a vida é não viver.
E depois que se paga? O homem cria família, faz laços, sorri, abandona os livros tristes e começa a correr todas as manhãs, senta no sofá para assistir o jogo enquanto a esposa briga com ele, as crianças correm pela casa, o jantar tem o gostinho das mãos de quem ele ama. E ele aprende que a vida é uma via de duas mãos. Ter que saber ir, tem que saber voltar, e assim fazer o caminho.
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