A memória é lindamente perigosa. Por um lado, temos convicção das lembranças e, por outro, não sabemos o que ocorreu de fato. Parece que o corpo humano não é tão brilhante como nós imaginávamos. Na verdade, vivemos a mercê de uma incógnita: – O que é real? Ou: – Até que ponto isso é real?
Às vezes me deparo tentando recordar como você era. A sua voz, o seu perfume, as nossas conversas, a forma como nos amávamos... Eu estranhamente não me lembro desses detalhes. Na realidade, a memória que me restou é falha em quase tudo quando se trata de você. E, ainda assim, você é você para mim.
É que, embora a memória não retrate com fidelidade todos os nossos momentos, eu não posso te retirar da minha história. Você existiu por um período. E me assombrou por vários períodos. A história de uma década de vida está conectada ao que você foi para mim: – amor: Do mais sutil ao mais agressivo. Mas, mesmo com os pesares, foi amor.
E, desse amor, encontrei as coisas que mais me encantam e as que mais me assustam. Do amor encontrei música, dança, leituras doces, fé e criação. Mas também encontrei o sofrimento, a traição, o medo, o ciúme e o pesar. Foram tantos encontros! E desencontros... Tão diferente do amor que nós almejávamos, não é mesmo?
Nós esperávamos uma história de amor extraordinária. E o que encontramos? Apenas uma história sobre duas pessoas que se amaram. Mas essa é a vida, não é? Um emaranhado de histórias em ordem desajeitada e não linear. São as linhas tortas que tanto falam por aí...
É que fizeram com que acreditássemos que tudo está ao nosso alcance e que podemos controlar todas as coisas ao nosso redor. Mas, aos poucos, nós descobrimos que a vida é uma eterna tentativa de se equilibrar em uma corda bamba. Com seus fatores externos que estão longe do nosso controle...
[Se concentrar na corda] e [aceitar que não podemos controlar os fatores externos] seriam os segredos do equilibrista?
Ora, não sei!
De fato, nem todas as coisas estão em nossas mãos, ao passo que devemos nos concentrar em resolver o que está dentro da nossa capacidade de modificação. E, partindo do princípio de que a corda é o caminho que nós trilhamos durante a vida, prestar atenção nela, visando manter o equilíbrio, é primordial.
Mas...
Nós passamos a vida escrevendo sobre os segredos da vivência. E com que propriedade o fazemos? Nós não vivemos a vida, por inteiro, para saber se estamos fazendo o correto. Tenha certeza: – até mesmo os mais bem-aventurados, deitam a cabeça no travesseiro, durante a noite, e possuem as suas dúvidas. Como eu poderia desvendar esse mistério e saciar a sua curiosidade sobre o certo e o errado?
As palavras que escrevo não trazem nenhuma sabedoria, meu amigo. São devaneios de quem anda por essas ruas sem qualquer intenção de continuar nesse caminho. Talvez tenha sido isso o que o seu amor me trouxe de mais bonito: a despretensiosa caminhada, de quem deixou tantas coisas para trás, e que – mesmo tendo perdido tanto – continua caminhando, sabendo que, a qualquer momento, é possível mudar a direção.
É...
Parece que a memória é lindamente perigosa. Não me recordo de cada passo que dei para chegar até aqui, no entanto, caso precise voltar, saberei qual é o caminho.
Norte...
Sul...
Leste...
Oeste..
Eu perdi o medo.