Enquanto a chuva caía, eu terminava o meu cigarro e me prendia em devaneios. Tantas idéias, tantas opiniões, tantas histórias. E nenhuma conclusão. Eu me cansara delas. Agora eu deixara de ser os dois pontos e viraria uma reticência. Nada de aposto, nada de explicações, deixei de lado o adverbial explicativo. Ali, eu viraria uma redação sem pé nem cabeça. Cansada. Exausta. Entregando os pontos. Eu desistira daquilo que eu nem saberia o que era.
Eu tinha caneta por perto, mas resolvi escrever com as lembranças. Nada de tinta, nada de papel, eu não gravaria nada. Apenas fecharia os olhos e fingiria escrever. – Escrever no intimo é a melhor forma de não demonstrar fragilidade. – E aquela altura, eu já estaria frágil demais.
Você deverá se perguntar o motivo da dor. A resposta é: não é dor, é vazio. Conforme o sofrimento vai se arrastando, tu começas a achar que nasceu para sofrer. Eu comecei a perceber que eu talvez não merecesse ser feliz. Então, eu encheria as outras pessoas de felicidade e esperança com palavras, mas o meu momento nunca chegaria. No fundo, eu seria um falso profeta. Uma borboleta sem asas. Um anjo com chifres. Nada com nada. Eu era uma mentira.
Era mais um de meus personagens dos contos ou mais um desenho que eu colorira. Eu não tinha propósitos. Perdera meus sonhos e planos. Não saberia mais o que fazer de minha vida. E era doloroso ver como a vida de todos ao meu redor ganhava um rumo, menos a minha. Eu sentira inveja até do gari que limpara a rua feliz com o salário no fim do mês. – Eu não era feliz. – Me faltara algo. Me faltara um impulso ou vontade de viver. Eu estava abandonando a vida e meu coração viraria uma pedra.
Não. Eu já não o amava mais. Não há como amar uma pessoa e se encontrar em minha situação. Despropositada. Às vezes, eu não amara nem a mim mesma. – Mas, agora, eu teria que encontrar amor.
O silêncio da casa era interrompido com a televisão do vizinho. Nunca me incomodara o volume alto, pois sentira pena do velho surdo. Às vezes eu tinha certo desejo de que aquele senhor fosse algo meu. Um pai, um avô, ou só amigo. Me sentira sozinha o bastante para demonstrar afeto até pelo pagodeiro da esquina que tinha as mãos engorduradas do churrasquinho de gato.
Mulheres como eu sentem-se sensíveis demais. “Mulheres como eu”, merda! Eu não era uma mulher. E eu ainda não tivera coragem de saber se poderia me encontrar neste grupo. – O exame ganhava lugar na mesinha da sala. – Eu o olhava enquanto acendia outro cigarro, provavelmente o último, e começava novos devaneios.
O que fazer? Por onde começar? Eu nem o amara para que fosse meu. E nem amara quem me deixou com ele dentro de mim. – Como seguir em frente? – Como sustentar aquilo? Era muita responsabilidade para meus dezessete anos. E eu não saberia como contar para os familiares a grande notícia.
Pensara em me matar. Não queria matar aquilo que estava dentro de mim. Eu era incapaz de matar uma formiga. Então, embora eu não soubesse o que era e se era, eu não o mataria. Mas poderia me matar. Eu poderia morrer por acidente. Me jogar na frente dum carro – ônibus, mais garantido – ou até um caminhão na BR 082. – Morte cruel, dolorosa, rápida. Ou não. – Mas eu não era suicida. E nem tivera talento para isto. O amor próprio continuara em mim, ainda que pequeno.
Embora eu não ligasse muito para minha vida e saúde, eu me amava. Embora não houvesse um plano ou grande esforço para que minha vida fosse a melhor do mundo ou, pelo menos, a vida que eu queria ter; Eu me amava. – E agora teria medo do futuro que me aguardava.
Foi quando uma voz sussurrou em meu ouvido: “Coragem!”. – Como é que é?, pensei. – Eu estaria louca neste momento, mas a voz insistira: “Coragem!”. E assim seguiu: “Coragem, anda, abre, uma hora você terá que enfrentar. Vamos virar gente grande...”. Suspirei aliviada. Achei que fosse Deus brigando comigo pelas mirabulosas idéias de morte, mas era minha consciência pesando. Eu não era aquela sequidão fria e escura. Eu já fui uma menina esperançosa e linda um dia. Então era hora de bater a cara na metamorfose e se preparar para tornar-me mulher.
Peguei o exame. As mãos tremiam. A barriga estava dura. Abri de supetão o papel branco com emblema da clinica que havia escolhido. Respirei. Fechei os olhos. Pedi para que Deus ou destino, ou quem existisse ali e que pudesse me ajudar. E olhei, confirmei, que droga! – Eu estava grávida.
“Mamãe” – conseguira ouvir a criança me chamando. Oh! Que coisa ruim dentro de mim! – Uma criança é sempre um milagre, é sempre uma felicidade, é sempre Deus falando com a gente. Mas a responsabilidade de outro ser em suas mãos era desesperador. Eu não conseguiria sozinha. E, eu era mãe solteira.
Subi as escadas, me olhei no espelho e disse: “Mãe solteira adolescente, prazer”. Este é meu novo nome.
Hora de arrumar as malas, mudar de vida, crescer e proteger o que há dentro de mim. Que seja a criança mais linda do mundo. – Aguardem cartas, cartões postais e fotos. Eu ainda me recupero da surpresa, mas dizem que dentro de mim cresce a minha força. – “Beatriz” será o nome dela.
2 comentários:
O nome da postagem me chamou a atenção, e depois o jeito que vc escreve me prendeu, adoro como escreves... Mas o conteúdo todo do texto me deixou emocionada...
Já passei por essa situação, fui mãe meio adolescente, mas na verdade o que me emocionou mesmo foi que desejei passar por isso faz bem pouco tempo, planejei a gravidez, e até o nome já tinha escolhido: Beatriz... Era um fazer as malas e mudar de vida, mas ela não estava dentro de mim... Chorei feito criança, eu que já era mulher, borboleta já passada, rss nao tive a chance de ser mãe e com essa gravidez interpretar a voz de Deus me dizendo o que fazer...
Depois de um tempo percebi que tinha que aceitar, agora eu mesma que faço as minhas escolhas.
Mas o desejo de ter a minha Beatriz nunca morrerá...
Beijos nesse coração lindo
grávida?
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