"A gente reconhece de longe convites de casamento. – Que droga!"
Eu estava sentada na varanda assim como fiquei sentada quando deixei que ele partisse. Lembro como se fosse hoje: meus pés gélidos e paralisados, um livro de Jack Kerouac nas mãos, e olhos fixos nos passos do meu amor que se ia embora... Qualquer que fosse o meu erro, ou meus erros, eu o amei. Mas cada um tem a sua maneira de amar. E aquela era a minha maneira: Deixá-lo ir.
O problema é quando as pessoas aprendem a perder. E eu aprendi. Com seis anos de idade, quando vi meus pais morrerem num acidente de carro, eu aprendi a perder. Sei que devo agradecer pela vida que continuou à mim e terminou à eles, mas não foram poucas as vezes em que eu aceitaria trocar a minha vida com qualquer um que pudesse dar um sorriso sincero.
Claro que muitas vezes eu fui feliz, mas era sempre como se faltasse parte de mim. Então quem não é inteiro, não pode amar; não é mesmo? É preciso haver duas pessoas inteiras para que exista amor. Porque duas metades da laranja só competem àqueles que não vivem a vida real: os filmes, teatro, música, – aquilo que amo.
Acontece que a vida não é um texto qual eu escrevo. Palavras são perfeitas e a graça do viver é a imperfeição. As pessoas poderiam compreender que, quando escrevo, estou apenas disfarçando solidão. Eu tenho necessidade de me transportar para um mundo perfeito. E as histórias que eu invento são meus esconderijos, minhas fugas, meu jeito de sonhar. Porque eu, como mulher, ainda sonho com um amor que eu verdadeiramente poderei amar. (...)
Mas deixá-lo ir foi uma escolha que eu sofrerei pelo resto de minha vida, tenha certeza disso. Ele era especial. Um homem de visão, com bom gosto, e elegância. Aquele jeito despropositado, sonhador e leve, era confundido e entrava em atrito com o seu jeito maduro, visionário e grande. Seus pensamentos me deixavam boba. Havia ali muitas coisas que eu concordava, pensava, mas não exteriorizava. Daí ele vinha e colocava-se à falar tudo aquilo que eu gostaria de dizer. Encantava-me. Nós tínhamos uma ligação de outra vida. Se eu acreditasse nessas coisas de regressão, eu tenho certeza que, n’outra vida nós fomos almas gêmeas, irmãos, pai e filha, melhores amigos.
Mas deixá-lo ir era preciso. Eu não poderia ficar o resto de minha vida presa na dor de não poder ser o que ele merecia. Também nunca me esforcei para ser mulher certa àquele homem. Fui sempre apenas eu. Solitária. Eu. – E no amor, se a gente não cede, se a gente não se transforma um pouco do amado, se a gente não entra na rotina e não acostuma ali como dois, não da certo. – É preciso que haja um pouco de sacrifício no amor. – É preciso entregar-se ao amor.
Quando levantei a cabeça das escritas e avistei o carro parado do outro lado da rua, eu já soubera, era ele. Mas não era ele. Era outro homem qual eu já havia conhecido há longo tempo e não me lembrava mais, prefiro pensar assim. Saber que ele mudou e eu sou a mesma, causa-me alguma dor.
Então ele cruzara o jardim, vagarosamente, analisando passo por passo e encantado com minhas flores. Todas as vezes que ele atravessara meu jardim, ele fizera a mesma cara de surpresa e ficara maravilhado com as minhas criações, – e esta sempre foi a minha motivação. – O amor teve o poder de motivar até a mim, acredite.
Subiu as escadas, colocou o primeiro pé na varanda, analisou-me com cuidado e disse: “Bella, sou eu”. Como se eu não soubesse, pensei. Levantei-me, fiz questão de ir até ele e dar-lhe um abraço, fazer a anfitriã, dizer aquilo do “quanto tempo, estive com saudades”.
Pois ele se adiantara. E foi só aí que vi o envelope branco em suas mãos. Senti-me uma idiota, porque por um momento eu pensei que era um reencontro, uma volta, um novo começo. Porque eu o analisei atravessando aquele jardim e não notei aquilo em suas mãos. Um convite. Uma droga de um convite, desculpe. Uma merda, de uma merda, de uma droga de um convite.
– Só vim para entregar isto... Vou me casar, Bella.
Fechei os olhos sorrindo. Como quando você fecha os olhos para segurar as lágrimas e sorri para não demonstrar dor, ou ainda, um sorriso de quem não acreditara. E na mesma expressão, tentei falar, mas lágrimas escorreram.
– Ela é linda, – ele continuou. Mas vendo que não era boa idéia, apenas virou as costas e se foi outra vez, e desta vez, para não voltar nunca mais.
E parada em pé, olhando para o chão, eu ficara. Ficara, e a chuva começou a cair do céu. Acho que antes d'ele ir, ele até disse-me algumas coisas, mas eu só escutei até a parte de que ela era linda, e depois fiquei apenas com o barulho da chuva. Acho que para mim não importaria o que ele fosse explicar, o que fosse dizer sobre quão especial ela era. Porque ela, – ela não era eu –. Porque sei lá em qual dia de qual mês fosse, ela entraria numa igreja por um pedido que eu recusei. Porque ela teria na vida dela, para sempre, quem eu mais amei e quem mais me amou. Quem cuidou de mim, quem esteve sempre disposto a me ouvir, me amar e dizer de coração aberto o que sentia por mim. Por mim! Que nunca o merecera.
Porém, eu nunca soube se poderia ter sido de outra maneira. Acho que eu não voltaria atrás, se pudesse. A vida tem que ser assim, e se foi assim, há um motivo para isto. Viram? O problema é quando as pessoas aprendem a perder, e eu já disse: eu aprendi. Agora é tudo compreensível.
A minha dor é a mesma de quem perde e não sabe perder, a diferença é que não tenho vontade de mudar nada. É que o costume e a aceitação causam isto: o não fazer, o não mudar, o que “se dane”. Ficamos parados vendo o movimento, vendo a vida de todos se ajeitarem, sofremos com a nossa vida chata, mas não fazemos nada para mudar isto. E sabe, sofremos. Mas acostumar-se com a perda, é também acostumar-se com a dor.
Deixar o homem de sua vida ir embora, parece uma grande prova de amor. Mas é um fracasso. Esta história de que o destino vai colocá-lo em sua vida outra vez é coisa de filme, livros e música. A vida real é diferente. É preciso força e garra para tudo na vida. É preciso coragem. É preciso doar-se. É preciso suar duro por cada conquista. Nada – exatamente, nada vem fácil na vida.
O “deixar acontecer” é um problema. É deixar de comandar a sua vida. É não poder ordenar sua própria história. É assim que eu vivo desde que perdi meus pais. Deixo ser, deixo estar, deixo que a vida me leve... A ironia disso é que quando escuto as pessoas falarem que o destino ajeitará suas vidas, eu tenho vontade de gritar – sim – gritar: “Amigo! Deus te deu uma vida, não é? Já é gratidão demais lhe dar uma vida... acha mesmo que Ele vai ficar cuidando dela? O que dará certo ou errado só dependerá de você! A vida é sua! O que entra e sai dela é por sua culpa! Destino é coisa de ficção... Acorda! Vive a vida. Vive a vida real. Começa a viver. Vamos viver, vamos viver, vamos viver!”. – Viver é meu maior desejo.
Mas é só desejo. Eu não tenho grandes objetivos. Minha vida é Lei it be. Sou desencanada. Aquela história do “há pessoas que existem, e há quem viva”, eu sou apenas o existir. Eu gosto de apenas existir. Esta tranqüilidade de não precisar sair do lugar para ter o que quero, é boa. Mas – nossa, como sou cheia de “mas”! –. Mas eu não fico em paz.
Não mesmo. Eu sofro bastante.
A dor de quem ama é perder. Perder quem se ama, porque a pessoa não lhe amou é algo fácil. Entretanto, perder quem se ama, porque tu fizeste tudo errado. É fardo que leva para vida inteira. – Porque não se pode cometer o mesmo erro duas vezes. – O certo é que, a próxima vez que o amor bater minha porta, terei que ser além do que posso. O problema, bem, é que não haverá outra história como a minha e de Tomás. Serão só outros amores... E eu, ah!, quem dera tivesse eu nascido com a sorte de encontrar outros amores. Mas foi Tomás. Outro "mas".