“E depois de aposentado, resolvi cruzar o mundo, procurar um amor. – E achei. Ah!”
Depois dos setenta e cinco, temos poucas lembranças de nossa infância. Mas eu confesso que sou cheio delas. Lembro-me do dia em que roubei uma rosquinha, porque estava com muita fome e não havia comida em casa. Até que minha mãe visse, aquilo me parecia um grande feito. Sabe aquele sentimento de trabalho cumprido? Pois bem, aquela satisfação me invadiu até que minha mãe deu um tapa em minha mão, tirou a rosquinha do meu bolso, e disse: “Grandes homens não fazem isso”. Foi então que eu decidi ser um grande homem.
Aquela foi a grande decisão de minha vida. Eu vivera numa geração e numa classe social em que as crianças decidiam se iriam suar duro para conseguir o que queriam, ou se a vida delas seria fácil, mas não obteriam nada. – E foi assim que eu consegui meu primeiro emprego, jardineiro da Dona Margarida. “A velha com nome de flor”, era como eu a chamara. Dona Margarida, apesar de muito resmungona, foi uma grande mulher em minha vida. Ela me ensinara tudo sobre as flores de seu jardim, e foi mais longe. Quando percebeu que eu era um garoto esperto, resolveu me ensinar a tocar piano. Depois começou a me dar livros para que eu aperfeiçoasse a minha leitura. E logo vieram as aulas de teologia, de etiqueta, e a autorização para que eu usasse a piscina de sua casa e treinasse natação para concorrer nos campeonatos da escola. [...] Resumindo, Dona Margarida foi mais que a minha primeira empregadora, ela foi como uma madrinha, uma segunda mãe.
Também foi a inspiração para que quando eu terminasse o colegial, trabalhasse o dia inteiro e fizesse uma faculdade. Pois fiz. Formei-me em Direito. Na faculdade, arranjei bons amigos. Uns já se foram, outros acabei perdendo o contato. Outros estão longe de mim, mas sempre que posso, os visito. E todos estão guardados na memória e nas fotografias.
Após a faculdade, entrei no meu primeiro escritório de advocacia. Eu era aquele jovem que não tinha sequer um tostão no bolso para comprar um terno, e por isso usava aquele terno velho que o meu pai comprou para se casar com a minha mãe. Mas isso não durou muito tempo. Logo que ganhei meu primeiro salário, dei um jeito de arrumar meu guarda-roupa. [...]
Certo dia, coloquei na cabeça que me tornaria juiz. E então comecei a estudar para isto. Trabalhava de dia, chegava em casa de noite e estudava. Estudava nos finais de semana, no horário de almoço, no banho... Embora não levasse os livros para todos os lugares, mantinha minha cabeça nos estudos e assim ficara memorizando. – Primeiro concurso para juiz, não passei. – Estudei em dobro. Passei na terceira tentativa.
Tornei-me juiz e aquilo se tornou a minha vida. Eu vivera para o trabalho e eu gostara daquilo. Eu procurei ser um juiz justo, um cara honesto, um grande homem. Como aprendera com Dona Margarida, mantive sempre a minha vida nas mãos de Deus. Todo o meu trabalho, sempre, teve a proteção daquele que nunca me abandonara. E assim, exerci minha profissão com muita calma e nunca tive grandes problemas. Digo, nunca enfrentei tentativas de seqüestro ou assassinato, como outros amigos juízes sofreram.
Mas eu sempre fui sozinho. E a dor de estar sozinho, só foi insuportável quando recebi a notícia de que estava na hora de me aposentar. Nunca me casei. Não tive filhos, nem netos, e estava ficando velho.
No dia da aposentadoria, cheguei em casa, sentei no sofá e comecei a relembrar tudo que havia passado em minha vida. Da pobreza, aos grandes sacrifícios e, enfim, uma vida invejável. Boa casa, bom carro, bons restaurantes, ótimos amigos, viagens maravilhosas. E nunca estive completo.
Embora muitas vezes as pessoas digam que só o amor não é o suficiente, todas as pessoas podem dizer que só o conforto nunca foi. Pois o amor pode suprir a falta de conforto, mas o conforto nunca poderá suprir a falta de amor.
Chegamos ao final de nossas vidas e descobrimos uma coisa que é fácil, que está sempre visível aos olhos, e que nos recusamos a ver: “Vivemos para o amor”. O ser humano vive para o amor, e sem amor ele não é completo. Sem amor, sempre haverá uma lacuna dentro de nós. Uma lacuna extensa, fria, e dolorosa. O amor é tudo que precisamos.
Este foi o meu grande erro. Não dei chance ao amor. Já amei, sim. Mas ignorei aquele sentimento e fui atrás do desejo de me tornar um grande homem. Eu só não soubera que, para ser um grande homem, é preciso saber amar.
Se quase chegando aos oitenta anos, posso ainda lhe dar um conselho. O conselho é: “Ame!”. Sua vida não será nada sem amor.
Um comentário:
"Pois o amor pode suprir a falta de conforto, mas o conforto nunca poderá suprir a falta de amor."
essa sua mania de ser linda e inteligente... mania de me surpreender. menina doce.
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