"No final da cerimônia, o pastor gritou o meu nome, fui até ele e me perguntou: “Por que é que chegaste atrasada em todos os cultos?”. Eu pensei duramente durante dez segundos em lhe mentir, mas me recordei que seria uma espécie de pecado tentar enganar o servo do Senhor e lhe fui honesta: “Sabe, senhor pastor, eu penso que os cultos são demorados e tenho demasiada preguiça, então me atraso para que termine mais depressa. Sei, sei, sei, o senhor não precisa dizer! Estou errada! Mas a Ritinha disse que, poderia ser pior, eu poderia ser como aquelas pessoas que não frequentam a nossa igreja. Eu poderia não vir, no entanto, mesmo atrasada, estou aqui todos os sábados.”. O pastor me fitou severamente e respondeu: “É como aquele funcionário que quer aumentar o seu salário mas apenas enrola durante o serviço. Vai todos os dias trabalhar, contudo não produz nada. É trapaça.”."
(Ilustração de Molly Crabapple.)
Causava-me medo tentar decifrar o que existia dentro da cabeça de Inácio e, ainda assim, sou repleta da certeza de que lá, o mundo era mais interessante. Quieto, Inácio parecia não existir. E, por não existir, todos o queriam por perto. Pela inteligência exposta sem receios, a irreverência que chateara alguns e a doçura que aparecera quando menos se esperara, Inácio era bem vindo em todos os lugares. Ele era um bom homem.
Ao longo de seus quarenta e dois anos, Inácio conhecera Caterina. Caterina fora uma moça inteligente, bonita e doida. Desvariada! À ela não se apeteceria horários, nem regras, muito menos formulas ou zodíaco. Caterina fizera os seus próprios princípios e se sentira desafiada por todos que a subestimavam. A moça era uma competidora por natureza. Não aceitara “nãos”, adorara desaforos e, poderia lhe causar tristeza, mas ela apenas se apaixonara pelos que não se apaixonavam.
Foi ao quieto e intrigante Inácio que Caterina entregou a sua última gota de amor. A gota d’água. À ele, ela entregou toda a sua devoção, todos os seus desvarios e o seu corpo, em carne e alma. Caterina doou ao amargo Inácio, aquilo que apenas as pessoas de corações corajosos podem doar: princípios. Talvez fosse isso que fizesse Inácio ficar ao redor de Caterina quando todos já haviam ido embora, aquilo que ele nunca recebera dos pais, lhe era entregue por uma mulher doida.
Inácio, apesar de todas as aventuras e todos os lugares que conheceu, era um homem antiquado. Ele não aceitara o fato de que, quando ninguém o enxergara, se sentia apaixonado pela doida Caterina. Ela falara sobre sexo num tempo onde ainda era opressão, abordara os outros homens com carinho e sem remorsos, não era mocinha de pernas-cruzadas e bons costumes, então, o que é que aquela mulher haveria de ter que era tão atraente?
A consideração. Apesar da falta de modos, o coração daquela mulher era lindo! Enquanto Inácio se divertira com mil e uma mulheres, Caterina parecia esperar Inácio. Ela entendera que Inácio não firmaria com ela um compromisso de fidelidade, no entanto ela sempre acreditou no homem ser-humano. Para Caterina, há homens e mulheres quais são apenas homens e mulheres. Contudo, ela acreditara que tanto os homens, quanto as mulheres, poderiam se tornar seres humanos. Poderiam se encher da humanidade simples e bonita.
À aquela mulher, não importara as regras e as boas maneiras de uma sociedade: drogas proibidas, sexo como libertinagem, más-línguas e dez mandamentos. Não... Para aquela doida, o que importara era a bondade das pessoas. Os seus princípios eram a fé, o respeito, a compaixão e a consideração. Princípios que resumiam o que, para ela, era amor.
A consideração equivale ao homem que anda pelas ruas, quando uma senhora tropeça, derruba suas compras e ele a ajuda a se levantar, e a resgatar as suas compras jogadas ao chão. O amor equivale ao homem que a ajuda a se levantar, pega as compras e acompanha aquela senhora até a sua casa.
Consideração é algo minúsculo que todo o homem e toda a mulher necessita ter para se tornar um ser que é humano. Quando Inácio atacara as mulheres, e as amigas, que rodeavam Caterina, ele não tinha consideração para com ela. Ele não era um homem com alma humana, ele era apenas um homem, que às vezes se revelara bom e, noutras vezes, era quieto. Quieto ao ponto de se tornar omisso. Um erro grave à ser cometido por uma pessoa é a omissão. Enxergar algo, e não exteriorizar, é como perder uma oportunidade.
Ser omisso equivale ao homem que anda pelas ruas, quando uma senhora tropeça, derruba suas compras, e, então, ele não a ajuda a se levantar. Ser medíocre equivale ao homem que não a ajuda a se levantar, passa por ela de cabeça erguida e ainda pisa em suas compras. Acredite – há homens com tamanha crueldade. Acredite – Caterina ainda preferira caminhar sozinha do que estar ao lado de pessoas não-humanas ou medíocres.
Mas, Inácio, como já dito, era um bom homem, embora não humano. Ele perseguira as injustiças em seus discursos e, por descuido, não percebera que era um homem injusto. Não notara a falta de consideração que ele praticara com Caterina. Talvez este seja outro erro: ser leviano, se descuidar, não se importar tanto assim...
Aos que não se importam, a vida passa depressa e sem flores durante o caminho. Aos que se descuidam, perdem oportunidades valiosas de fazer a vida ser bonita. Aos levianos, que tentam enganar a vida e a eles mesmos, é como um tormento – tudo lhes é fardo, é pesado, é injustiça – mas, em realidade, são eles mesmos que dramatizam a vida.
Caterina soubera o caminho que Inácio tentara trilhar – o caminho tortuoso. Ao deitar, todas as noites, ela se desculpara com o seu deus por não conseguir fazer Inácio enxergar os encantos da vida. No entanto, acho que a própria Caterina não se desculpara. Inácio fora um desafio perdido, um homem que ela não conseguira encantar, alguém que não se jogou aos seus pés. Mas, porquanto, uma qualidade daquela mulher doida – ela soubera desistir. Fechou o livro e iniciou uma nova leitura.